Estreia - 3/10/1993 (nos EUA) - Esse filme marcou o retorno de Robert Altman aos filmes alternativos, animado com o status que tais produções ganharam no início da década de 1990 (os sucessos da Miramax e os longas de Quentin Tarantino). Trata-se um filme-mosaico que supera Nashville, do mesmo diretor, lançado em 1975. Altman se preocupa mais em mostrar como uma pessoa se relaciona num ambiente do que contar uma história propriamente dita. Deve ser por isso que seus filmes nunca me atraíram quando era mais novo – me lembro que assisti e não gostei muito de MASH.
Para resumir Cenas da Vida basta falar que os personagens tem doenças mais graves do que a epidemia de moscas que ameaça a cidade. Doenças essas cantadas por uma das personagens ao longo de todo o filme. Suas músicas, além de ditarem o ritmo da história, sintetizam toda a experiência que é assistir a esse filme único.
Quando ele saiu em VHS aqui no Brasil, foram cortados trinta minutos, mas não me pergunte o porquê. Ao todo são vinte e dois personagens com vidas que se interligam, transformando o longa em algo pioneiro e que a Academia só iria reconhecer treze anos depois premiando Crash – No Limite (e tenho minhas dúvidas se, caso do outro lado não tivesse um romance homossexual, tal história baseada nessa cadeia de pessoas fosse realmente premiada). Paul Thomas Anderson, discípulo de Altman, teria seu Short Cuts em Magnólia - para mim, superando seu mestre.
Claro que todo mundo se identifica, nem que seja um pouco, com alguma pessoa desequilibrada que é retratada. Porém, vi um pouco de exagero na história da mulher que trabalha com tele-sexo enquanto alimenta as crianças. Acho quase impossível acharmos uma pessoa tão desesperada a ponto de permitir que seus filhos convivam com tal situação.
Os primeiros vinte minutos são o suficiente para prender qualquer um, mas não chega a ser nenhuma obra-prima. Fica sempre o medo do filme ficar sacal. O bom é que o roteiro em momento algum deixa o ritmo cair.
O ícone do cinema Jack Lemmon só aparece com uma hora e meia de história e seu personagem é um dos mais intrigantes. Não se sabe, ao final, qual era sua intenção ao procurar o filho trinta anos depois. Como pessoa corrompida pela sociedade em que vivo a ideia que passa é da dificuldade financeira daquele. Mas, poderia ser arrependimento mesmo.
Alguns atos dos personagens condizem com os nossos, claro, mas não devemos nos condenar por conta disso. Quem nunca sentiu o mesmo ódio que o personagem de Tim Robbins por um cachorro que não parava de latir? Quanto mais as histórias vão se aprofundando (como num livro) mais claro vai ficando a ideia de que todos têm o mesmo problema: não dão a devida importância às suas famílias. Só que a manifestação se dá de formas diferentes: uma mulher, com medo de ficar sozinha, se sujeita a morar com um bêbado que a maltrata; outra entra na Justiça para tirar a casa do ex-marido só de raiva (já que ela nem gostaria de morar ali); um confeiteiro fica passando trote pra casa de uma cliente que não veio pegar o bolo (e o deixou com raiva); e por aí vai. É a máxima atual que diz que o ser humano está cada vez mais individualista, vingativo e solitário. A infidelidade parece já uma coisa comum, por exemplo. A intolerância é outro defeito, retratado naquele ex-marido que resolve invadir sua “ex-casa” e quebra-la toda, destruindo os pertences da ex-mulher. Pode parecer que Short Cuts é meio óbvio, mas é o retrato de uma época. Sua importância não se dá só hoje, se perceberá cada vez mais ao longo dos anos.
Tomara que futuras gerações tenham a sorte de viver numa sociedade mais saudável que essa, mas filmes desse tipo, em curto prazo, tem a função de fazer com que todos reflitam sobre o mundo em que vivemos.
É triste ver as relações familiares se diluindo na sua frente. Casais que moram no mesmo teto mas não vivem juntos, com cada um tendo sua própria rotina. As famílias são totalmente disfuncionais, com pais negligentes, filhos que não se comunicam. Além disso, parece que as pessoas estão cada vez mais fracas, em todos os sentidos.
Apesar do grande número de personagens e do longo tempo de duração, em nenhum momento Cenas da Vida é confuso. Confesso que com umas duas horas ele pode ser tornar um pouco cansativo, mas é bom a ponto de manter acordado quem não suporte filmes de arte. Talvez para esses a versão com meia hora a menos cairia melhor.
Juliane Moore (nua o tempo todo) é um dos destaques dada à naturalidade da interpretação de um dos personagens mais difíceis. É com lembra que o filme é completamente desprovido de pudores, mas sem intenção de agredir quem assiste.
Em 1993 Short Cuts foi vanguardista, pioneiro, até profético (já que tais relações entre pessoas só pioraram – vide Crash, Beleza Americana, o atemporal Dogville, entre tantos outros) na podridão em que está a sociedade contemporânea. Ele é mais agradável de ser ver do que você pensa.
A parte final se resume em mostrar as saídas encontradas pelos personagens quando percebem que estão diante de um problema. Só depois do final é que começamos a perceber o que fez com que elas mudassem. Um exemplo: o policial para de procurar a amante quando sua mulher diz que pousou nua para uma pintura da irmã. É um caso simples de como uma coisa tola, no meio do nosso cotidiano (no caso, no meio do filme, jogado mesmo) faz com que mudemos toda nossa concepção sobre algo.
Infelizmente, a garota que não falava com a mãe só encontrou saída no suicídio. Já o homem do trote se viu arrependido e aprendeu a ser uma pessoa mais tolerante quando soube que o menino que ele tanto odiou estava morrendo no hospital. Todos repetem que “violência só gera violência”, mas ninguém na prática responde uma agressão (ou algo que aparente ser uma) com cordialidade. Já a mulher que tinha medo de ficar sozinha viu solução em se embebedar junto com o namorado.
Quanto à cena final, é algo incrivelmente multimetafórico. É o tal terremoto. Eu dei duas interpretações imediatas para isso, mas devo confessar que outra conclusão que me deram, no dia seguinte, parece-me ser a mais correta. Mas tenha absoluta certeza que não se resume nessas três hipóteses, creio até que seja de simbologias infinitas. A primeira coisa que pensei, antes de saber que todos sobreviveriam ao terremoto, é que a solução para uma sociedade tão enlameada seria o seu fim, o início de uma nova. Pensei um pouco mais e, de maneira mais otimista, entendi que a mensagem era a de que todos nós passamos por turbulências, terremotos, em algum momento de nossas vidas e sempre conseguimos (ou devemos tentar) sobreviver, para caminhar no caminho correto. Mas, conversando com meu pai, sua conclusão (além de excelente) talvez se aproxime um pouco mais com o objetivo de Altman. Diz ele que todas aquelas pessoas precisaram passar por algo que mexesse com elas, que as fizessem mudar. E comecei a perceber que todos os personagens ficaram diferentes por força de algo (nem sempre trágico) que lhes aconteceu. Dois casais descobriram em novos amigos a saída para uma convivência mais harmoniosa, por exemplo.
Só sei que, no final, ninguém mais se lembra da epidemia de moscas e você não consegue mais se esquecer de Short Cuts. A Academia indicou Altman ao seu quinto Oscar na época, o Globo de Ouro deu um prêmio especial para o elenco, mas o grande feito do filme foi receber o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Nota 9
Para resumir Cenas da Vida basta falar que os personagens tem doenças mais graves do que a epidemia de moscas que ameaça a cidade. Doenças essas cantadas por uma das personagens ao longo de todo o filme. Suas músicas, além de ditarem o ritmo da história, sintetizam toda a experiência que é assistir a esse filme único.
Quando ele saiu em VHS aqui no Brasil, foram cortados trinta minutos, mas não me pergunte o porquê. Ao todo são vinte e dois personagens com vidas que se interligam, transformando o longa em algo pioneiro e que a Academia só iria reconhecer treze anos depois premiando Crash – No Limite (e tenho minhas dúvidas se, caso do outro lado não tivesse um romance homossexual, tal história baseada nessa cadeia de pessoas fosse realmente premiada). Paul Thomas Anderson, discípulo de Altman, teria seu Short Cuts em Magnólia - para mim, superando seu mestre.
Claro que todo mundo se identifica, nem que seja um pouco, com alguma pessoa desequilibrada que é retratada. Porém, vi um pouco de exagero na história da mulher que trabalha com tele-sexo enquanto alimenta as crianças. Acho quase impossível acharmos uma pessoa tão desesperada a ponto de permitir que seus filhos convivam com tal situação.
Os primeiros vinte minutos são o suficiente para prender qualquer um, mas não chega a ser nenhuma obra-prima. Fica sempre o medo do filme ficar sacal. O bom é que o roteiro em momento algum deixa o ritmo cair.
O ícone do cinema Jack Lemmon só aparece com uma hora e meia de história e seu personagem é um dos mais intrigantes. Não se sabe, ao final, qual era sua intenção ao procurar o filho trinta anos depois. Como pessoa corrompida pela sociedade em que vivo a ideia que passa é da dificuldade financeira daquele. Mas, poderia ser arrependimento mesmo.
Alguns atos dos personagens condizem com os nossos, claro, mas não devemos nos condenar por conta disso. Quem nunca sentiu o mesmo ódio que o personagem de Tim Robbins por um cachorro que não parava de latir? Quanto mais as histórias vão se aprofundando (como num livro) mais claro vai ficando a ideia de que todos têm o mesmo problema: não dão a devida importância às suas famílias. Só que a manifestação se dá de formas diferentes: uma mulher, com medo de ficar sozinha, se sujeita a morar com um bêbado que a maltrata; outra entra na Justiça para tirar a casa do ex-marido só de raiva (já que ela nem gostaria de morar ali); um confeiteiro fica passando trote pra casa de uma cliente que não veio pegar o bolo (e o deixou com raiva); e por aí vai. É a máxima atual que diz que o ser humano está cada vez mais individualista, vingativo e solitário. A infidelidade parece já uma coisa comum, por exemplo. A intolerância é outro defeito, retratado naquele ex-marido que resolve invadir sua “ex-casa” e quebra-la toda, destruindo os pertences da ex-mulher. Pode parecer que Short Cuts é meio óbvio, mas é o retrato de uma época. Sua importância não se dá só hoje, se perceberá cada vez mais ao longo dos anos.
Tomara que futuras gerações tenham a sorte de viver numa sociedade mais saudável que essa, mas filmes desse tipo, em curto prazo, tem a função de fazer com que todos reflitam sobre o mundo em que vivemos.
É triste ver as relações familiares se diluindo na sua frente. Casais que moram no mesmo teto mas não vivem juntos, com cada um tendo sua própria rotina. As famílias são totalmente disfuncionais, com pais negligentes, filhos que não se comunicam. Além disso, parece que as pessoas estão cada vez mais fracas, em todos os sentidos.
Apesar do grande número de personagens e do longo tempo de duração, em nenhum momento Cenas da Vida é confuso. Confesso que com umas duas horas ele pode ser tornar um pouco cansativo, mas é bom a ponto de manter acordado quem não suporte filmes de arte. Talvez para esses a versão com meia hora a menos cairia melhor.
Juliane Moore (nua o tempo todo) é um dos destaques dada à naturalidade da interpretação de um dos personagens mais difíceis. É com lembra que o filme é completamente desprovido de pudores, mas sem intenção de agredir quem assiste.
Em 1993 Short Cuts foi vanguardista, pioneiro, até profético (já que tais relações entre pessoas só pioraram – vide Crash, Beleza Americana, o atemporal Dogville, entre tantos outros) na podridão em que está a sociedade contemporânea. Ele é mais agradável de ser ver do que você pensa.
A parte final se resume em mostrar as saídas encontradas pelos personagens quando percebem que estão diante de um problema. Só depois do final é que começamos a perceber o que fez com que elas mudassem. Um exemplo: o policial para de procurar a amante quando sua mulher diz que pousou nua para uma pintura da irmã. É um caso simples de como uma coisa tola, no meio do nosso cotidiano (no caso, no meio do filme, jogado mesmo) faz com que mudemos toda nossa concepção sobre algo.
Infelizmente, a garota que não falava com a mãe só encontrou saída no suicídio. Já o homem do trote se viu arrependido e aprendeu a ser uma pessoa mais tolerante quando soube que o menino que ele tanto odiou estava morrendo no hospital. Todos repetem que “violência só gera violência”, mas ninguém na prática responde uma agressão (ou algo que aparente ser uma) com cordialidade. Já a mulher que tinha medo de ficar sozinha viu solução em se embebedar junto com o namorado.
Quanto à cena final, é algo incrivelmente multimetafórico. É o tal terremoto. Eu dei duas interpretações imediatas para isso, mas devo confessar que outra conclusão que me deram, no dia seguinte, parece-me ser a mais correta. Mas tenha absoluta certeza que não se resume nessas três hipóteses, creio até que seja de simbologias infinitas. A primeira coisa que pensei, antes de saber que todos sobreviveriam ao terremoto, é que a solução para uma sociedade tão enlameada seria o seu fim, o início de uma nova. Pensei um pouco mais e, de maneira mais otimista, entendi que a mensagem era a de que todos nós passamos por turbulências, terremotos, em algum momento de nossas vidas e sempre conseguimos (ou devemos tentar) sobreviver, para caminhar no caminho correto. Mas, conversando com meu pai, sua conclusão (além de excelente) talvez se aproxime um pouco mais com o objetivo de Altman. Diz ele que todas aquelas pessoas precisaram passar por algo que mexesse com elas, que as fizessem mudar. E comecei a perceber que todos os personagens ficaram diferentes por força de algo (nem sempre trágico) que lhes aconteceu. Dois casais descobriram em novos amigos a saída para uma convivência mais harmoniosa, por exemplo.
Só sei que, no final, ninguém mais se lembra da epidemia de moscas e você não consegue mais se esquecer de Short Cuts. A Academia indicou Altman ao seu quinto Oscar na época, o Globo de Ouro deu um prêmio especial para o elenco, mas o grande feito do filme foi receber o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Nota 9
Filmes comentados em 2009: 80
Filmes lançados em 2009: 21
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Um comentário:
Cara...
Sempre ouvi falar desse filme e tal, mas nunca tive a curiosidade de ver. Mas depois de ler seu review (como sempre acaba aconteccendo) dá aquela vontade de passar na locadora na volta pra casa.
Se estiver certo ( e acedito que esteja), estou perdendo muito ao não ver esse filme.
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