segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Émile Zola



Estreia – 2/10/1937 (nos EUA) – A Warner estava se tornando o estúdio mais popular de Hollywood e colhia frutos da aposta de trazer biografias de personalidades mundiais do século XIX. A Academia já havia reconhecido a qualidade desses filmes dois anos antes, com A História de Louis Pasteur. O longa, dirigido por William Dieterle e com Paul Muni no papel principal, foi indicado ao prêmio de Melhor Filme e venceu nas categorias de Ator, Roteiro e Roteiro Original (Muni também venceu o prêmio por sua atuação no Festival de Veneza).

Émile Zola (também chamado de A Vida de Émile Zola) repete a dobradinha Dieterle-Muni mais uma vez para contar a história do escritor francês. O diretor alemão, que desembarcou em Hollywood em 1931 e já chegou chutando a porta com Kismet (refilmado treze anos depois), se juntaria a Charles Laughton para a versão definitiva de O Corcunda de Notre Dame e produziria bons clássicos como Salomé e No Caminho dos Elefantes. Porém, com Émile Zola ele conseguiria sua única indicação ao Oscar. O ator seria lembrado pela quarta vez em cinco anos, mas sua filmografia não seria tão extensa quanto o seu talento. Porém, ele ainda seria apontado mais uma vez em 1960 por Rebeldia de um Bravo. Engraçado que Émile Zola foi filmado de trás para frente já que Muni tinha a barba branca que depois seria escurecida nas últimas cenas (que na verdade são as primeiras, entendeu?).

É claro que Émile Zola fica prejudicado ao ser comparado com Ziegfeld, O Criador de Estrelas, último filme que assisti antes dele. São duas biografias primorosas, mas a qualidade da produção que conta a vida do produtor de teatro americano (indiscutivelmente menos relevante culturalmente que Zola) deixa a Warner no chinelo. O encanto começa a se quebrar quando os créditos, ao anunciar que fomos transportados para a Paris de 1862, informa que há fragmentos ficcionais na história a ser contada. Isso envelhece o filme, já que é uma difícil tarefa hoje em dia identificar quem realmente existiu em meio àqueles personagens (exclui-se Paul Cézzane e Émile Zola).

As imagens do DVD revelam que a produção do longa vencedor do Oscar de 1938 é menor (ou o trabalho de preservação dos negativos foi menos eficiente que os três ou quatro vencedores anteriores). Só deve ser impressão porque o longa saiu vencedor dos prêmios de Filme, Roteiro e Ator Coadjuvante (Joseph Schildkraut) e foi indicado para Diretor, Ator, Direção de Arte, Assistente de Direção, Som, Trilha Sonora e Roteiro Original. É verdade que os jovens Cézzane e Zola vivendo de sonhos na Paris de meados do século XIX desperta imediato interesse. Porém, a carreira do escritor começa a entrar nos eixos quando sua mãe e noiva conseguem um emprego em uma editora, onde ele poderia ganhar com o exercício de sua arte. Mesmo vivendo com dificuldades, Zola continua escrevendo sem abandonar seu estilo, na estética do desagradável e retratando os sofridos drama da população mais humilde.

Com esse ideal de descrever as mazelas do povo, demonstrando um fortíssimo sentimento de humanidade, Zola atinge o sucesso com o lançamento de Nana, mulher com drama pessoal muito forte. Até esse ponto somos presenteados com uma atuação contida, primando pela serenidade, de Paul Muni. Nessa primeira metade ainda há espaço para discutir o que o roteiro chama de “espólio da guerra” e que no fundo é aquela mensagem de sempre de um país entrar em um conflito baseado em factoides e mentiras (já tratados aqui no blog quando comentamos Cavalgada, Sem Novidades no Front, entre outros).

Na sequencia da carreira, Zola lança A Derrocada, Germinal e vai publicando outros livros, sempre com um discurso politizado e colecionando sucessos. Porém, essa biografia ligeira prepara o terreno para tratar de um fato específico da vida do escritor. É nesse momento que o roteiro se perde um pouco. A montagem e edição esquece que estamos diante da vida de Émile Zola e joga na tela o episódio de um vazamento de informações no Exército Francês. Os oficiais condenam um bode expiatório para manter a credibilidade das Forças Armadas perante o povo e o coitado vai para o exílio. Essa ponta solta deixa a impressão de que a história do longa poderia ser um pouco melhor. Paul Cézzane é pouco explorado mas é da boca dele saem pérolas como a teoria de que o artista deve permanecer pobre, para que seu estômago e talento não fique inchado e empanturrado. (mesmo que você não concorde).

Depois disso o roteiro se limita a mostrar a luta da esposa do oficial e de Zola para, três anos depois, provar a inocência do homem. Utilizar o escritor como último recurso fez com que este perdesse sua credibilidade perante a nação francesa, que opta por acreditar até o fim no discurso oficial. É justamente motivado pelas palavras de Cézzane que Zola (com um Paul Muni envelhecido porém com mais vigor) troca a glória da Academia Francesa de Letras pela última e mais difícil defesa de sua vida. Zola mostra que além de grande escritor possuía oratória privilegiada.

Com aproximadamente uma hora e vinte minutos já com a população se revoltando contra o biografado e queimando seus livros em praça pública, o longa se atém na Corte Marcial e vira, por alguns momentos, um filme de tribunal (e longe dos melhores). Todavia, os julgadores parecem dispostos a mudar a história oficial e absolver tardiamente o homem. Já Zola, que com o passar do tempo fica menos falante, acha forças para lutar contra o Tribunal, o Exército e o Estado, que utilizam todas as armas para que a decisão seja mantida.

Os vinte minutos finais mostram a disposição de um Zola derrotado em transformar o que parecia o fim de uma guerra em o início de uma nova batalha. Utilizando novamente da escrita e exilado em Londres, seus textos provocam uma pressão por parte da opinião pública que passa a exigir uma nova investigação. A cena da libertação do injustiçado é marcante (o ator Joseph Schildkraut, não acreditando no que lhe acontece, entra e sai da sua cela diversas vezes em cena que o ajudou muito a levar a estatueta para a casa). Porém (e como sempre) a graça dos clássicos fica por conta do epílogo. Em um lindo discurso ficamos sabendo porque Émile Zola conseguiu se tornar inesquecível em um país tão rico em ídolos como a França.

Para ficar “só” com a última frase, Zola foi “um monumento da consciência humana”. Repito, é um lindo discurso. Pena que o jeito de produção pequena e um claro envelhecimento no ritmo e na linguagem faça com que Émile Zola se perca em meio a clássicos esplendorosos. Nota 7




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sábado, 21 de novembro de 2009

Ziegfeld, O Criador de Estrelas



Estreia – 8/4/1936 (nos EUA) – Quando Frank Capra começava a ganhar maior destaque em Hollywood com o lançamento de O Galante Mr. Deeds, a Academia decidiu no ano de 1937 premiar essa grandiosa produção do, à época, recém-falecido produtor da Broadway, Florenz Ziegfeld Jr., interpretado por William Powell de maneira correta (ele foi indicado no ano anterior por A Ceia dos Acusados e no seguinte por Irene, A Teimosa. Outra indicação viria em 1948 por Nossa Vida com Papai) e dirigido pelo já badalado Robert Z. Leonard (indicado os Oscar sete anos antes por A Divorciada, indicado novamente aqui e lembrando também na edição de 1936 do Festival de Veneza que na época possuía o famigerado nome de troféu Mussolini).

Ziegfled, o Criador de Estrelas venceria os prêmios da Academia de Melhor Filme, Atriz (Luise Rainer) e Direção de Dança, com indicações para Diretor, Roteiro Original (William Anthony McGuire), Edição e Direção de Arte. Os cinco minutos de abertura antes dos créditos entregam que se trata de uma fita longa, porém retratando uma biografia completa. O prólogo menos prestigioso quando, no início de carreira, Ziegfeld deixou para trás a família (o pai era professor de música erudita) e optou pelo mundo do entretenimento diverte fácil. Já em 1893, na cena da Feira de Chicago, fica claro que Ziegfeld, é aventureiro, gosta de apostar, é sonhador (tudo no bom sentido) e possui uma facilidade de comunicação absurda. O primeiro grande sucesso dele, Sandow, “o homem mais forte do mundo” é apontado hoje como o criador do Bodybuilding e é um marcante exemplo.

Observa-se logo no início que estamos diante de um exemplar muito comum no cinema de Hollywood, pois se trata de uma biografia leve, informativa, que mistura bom humor com emoção, bem no estilo Walt Disney de “uma lágrima para cada sorriso”. Já de cara somos apresentados a Jack Billings, amigo e concorrente de Florenz. Frank Morgan, indicado ao Oscar duas vezes por As Aventuras de Cellini (1934) e como coadjuvante por Boêmios Errantes (1942), interpreta o outro produtor muito bem e rouba a cena em alguns momentos com sua marcante presença. Claro que o roteiro é chapa-branca (dizem que fidelidade não era uma característica de Ziegfeld), mas o longa do homem que fica rico em um dia e está falido no outro é nada menos que adorável.

Os direitos da história foram comprados pela Universal frente à viúva de Florenz, Billie Burke (que interpretaria ela mesma). Porém, como o estúdio não conseguia mais pagar a produção e queria filmar aquela que seria a primeira versão de O Barco das Ilusões, houve uma venda de roteiro para a MGM, já na época de pré-produção. Billy Burke, Judy Garland e Eddie Cantor foram afastados do elenco e a MGM sairia ganhando duas vezes, já que quinze anos depois compraria os direitos e produziria uma refilmagem de O Barco das Ilusões, em versão definitiva e ainda seria a responsável pelo grande sucesso de O Criador de Estrelas.

Ziegfeld também dá a oportunidade de apresentar a parte do público grandes estrelas e números da Broadway. O grande destaque é a presença de Fanny Brice interpretando ela mesma. Brice era conhecida por ter uma bela voz, mas ser muito feia. Fanny supria a ausência de beleza sendo incrivelmente engraçada e fez época nos palcos de Nova Iorque sendo objeto de outra biografia, décadas depois, estrelada por Barbra Streissand.

O produtor possuía persona muito interessante. Detentor de uma abordagem típica, ele acabava por ganhar todos os talentos e mulheres de Billings. Tinha a capacidade de se adaptar e movimentar dinheiro para conseguir seus objetivos, sempre em prol da arte. O primeiro grande amor da vida de Ziegfeld, Anna Held (Luise Rainer que nunca havia ouvido falar sobre a figura que interpretaria) entra na vida do protagonista em Londres, quando o biografado, sem dinheiro, pede ajuda ao concorrente em viagem para conhecer a francesa que começava a fazer sucessos nos teatros londrinos. Rainer realmente se destaca e seu prêmio foi merecido. No ano seguinte ela repetiria a façanha pelo longa Terra dos Deuses, sendo a primeira atriz a vencer dois Oscars em sequência (feito igualado apenas por Katherine Hepburn).

Trata-se de um filme musical, mas todas as inserções típicas do gênero ficam por conta da reconstituição de shows da Broadway. É de Rainer o primeiro número, Won’t You Come And Play With Me?, seguido de uma das melhores cenas do longa: quando Ziegfeld faz Anna se convencer a ser contratada (e toda hora ela mandava ele sair do camarim, olhava para as flores que ele enviou com o dinheiro de Billings, e mandava voltar).

A atriz continua brilhando no número de It’s Delightful do Be Married, que mostra os problemas de Held com a dicção e como isso atrapalhou o início de sua carreira junto ao exigente público americano. Nesse momento já fica claro que Ziegfeld, O Criador de Estrelas é uma fita necessária aos fãs e admiradores da Broadway (eu nem posso me considerar um porque infelizmente nunca fui lá).

Com pouco mais de uma hora de filme somos apresentados à idéia que mudaria a história do teatro dos Estados Unidos: as Follies de Ziegfeld. Para quem não conhece, as Follies eram uma espécie de teatro de revista (que foram bem populares aqui no Brasil também). A idéia do produtor de apresentar um show mais dinâmico, com esquetes de humor permeando as músicas, abriu espaço para o surgimento de grandes artistas americanos, como Eddie Cantor (que se apresentava com o rosto pintado, que nem Al Johnson e é homenageado no filme com o ator Buddy Doyle interpretando If You Knew Suzie, um de seus maiores sucessos) e Will Rogers (que fazia o estilo caipira e descobriu com Ziegfeld seu timing de humor).

Porém, o grande número da primeira metade é justamente aquele que marca o Entreato, A Pretty Girl is Like a Melody. A cena começa simples, com apenas um cantor, o palco vai girando, girando, mostrando uma infinidade de dançarinos, cada um com figurino diferente, canções que passam da valsa para a ópera e termina grandioso, quase como uma epopéia musical. Algo que deve ter sido um assombro no teatro no início do século e nos cinemas na década de 1930. Uma cena muito difícil e bem realizada em apenas dois takes após semanas de ensaios contando com 180 atores e a um custo de 220 mil dólares, algo absurdo para a época e muito mais do que o próprio Ziegfeld gastou para produzir aquele show todo. No final, o custo total do longa em 2 milhões de dólares, atualizados pela inflação, chegariam ao valor de 40 milhões.

Todavia, depois da Intermissão Ziegfeld, O Criador de Estrelas pode se tornar cansativo para alguns. Logo de cara temos quatro apresentações musicais em sequência. O objetivo é mostrar a versatilidade do teatro norte-americano, por isso temos um número em que o palco se mexe (alta produção), outra onde Ray Bolger (vivido por ele mesmo e uma pena que tenha sido pouco explorado) dá um show de sapateado, um terceiro com um instrumental clássico e extremamente romântico e o quarto com uma coreografia que é um assombro de tão bem feita. São quinze minutos de arte pura, mas que pode (e deverá) desagradar muita gente.

Ao final do número a estrela do espetáculo, visivelmente embriagada, tenta desmoralizar Ziegfeld que não se faz de rogado e dá um corretivo sutil na moça na frente da platéia. Mais à frente entra em cena Fanny Brice, em cena muito semelhante à do filme que retratou sua própria vida. Aqui ela interpreta três canções e é com ela que o biografado realiza sua última Follies. Com essa fase da carreira, termina também seu casamento com Anna Held. O homem, que tinha uma incrível capacidade de reinventar sua carreira, teria que criar uma nova vida dentro de casa. Está aberto o caminho para a entrada de Myrna Loy na quarta das catorze parcerias que faria na carreira com William Powell e no ano em que seria eleita Rainha do Cinema (e Clark Gable o Rei). A Academia, porém, não se lembraria de Loy até 1991 quando esta receberia um Oscar honorário dois anos antes de sua morte, aos 89 anos.

A estrela só surge com duas horas e quinze minutos de projeção, mas é responsável por retratar Billie Burke, segundo e último grande amor de Ziegfeld. O produtor, já com o coração mais mole por conta da idade, viveria com maior intensidade esse romance. Já o filme traz com o número musical do circo seu canto do cisne, retratando um show bolado por Ziegfeld e sua filha de aproximadamente cinco anos. Mais uma cena bem realizada, porém longa para alguns. É importante que se diga que o canto do cisne é do filme e não da carreira do biografado, que mesmo exagerando na extravagância da produção de suas peças e perdendo muito patrocínio, viveria ainda o auge de sua carreira, com quatro shows de sucesso na Broadway ao mesmo tempo.

Porém, quis o destino que o homem que nunca juntou dinheiro, fizesse isso no outono da vida investindo tudo em ações. Hollywood, como se exorcizasse o demônio da Crise de 1929, nos trouxe mais uma história que não termina tão bem quanto merecia por conta de fatores econômicos. Incrível como os filmes antigos possuíam finais grandiosos (e não essa coisa aberta que a maioria nos traz hoje) e a cena do Ziegfeld moribundo, ainda na tentativa de criar shows novos ao lado de Billings, impressiona. Com a linda cena de um cortejo imaginado pelo produtor, surgem os créditos desse filme que é pouco visto, pouco badalado, mas não muito distante de uma biografia perfeita (a primeira, de muitas, a vencer o Oscar de Melhor Filme). Nota 9




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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O Grande Motim (1935)



Estreia – 22/11/1935 (nos EUA) – O Grande Motim já foi re-filmado em 1962 (sendo protagonizado simplesmente por Marlon Brando). Como o assunto do momento aqui no blog é a maratona dos filmes vencedores do Oscar de Melhor Filme, deixo para fazer comparações em outra época (o mesmo serve para Cimarron e outros que estão por vir, como A Grande Ilusão). Limito-me a dizer que enquanto a (nem tão) enxuta versão de 1935 venceu o prêmio principal da Academia (indicações: Melhor Ator – três vezes, Diretor, Roteiro, Edição e Trilha Sonora), a refilmagem de mais de três horas de duração saiu da festa de 1963 de mãos abanando, apesar de lembranças nas categorias Filme, Direção de Arte, Fotografia, Efeitos Especiais, Edição, Canção e Trilha Sonora.

O filme conta a história do navio Bounty, da Marinha Britânica, em sua viagem ao Taiti em busca de suprimentos baratos para alimentar os escravos nas colônias inglesas. O evento, de veracidade contestada, foi um marco na luta pelos direitos dos marinheiros, que não se apresentavam voluntariamente, mas eram recrutados em nome do Rei.

Depois de um panorama histórico sucinto (incrível como os filmes antigos possuíam prólogos mais simples e eficientes que os de hoje), o espectador é apresentado a Christian (Clark Gable, sem seu clássico bigodinho já que a Marinha Britânica à época em que se passava a trama não o permitiria). Ele era o responsável por invadir bares e “recolher” homens que passariam os dois anos seguintes na missão do Bounty acima relatada. Viveriam em meio a uma rígida disciplina e hierarquia, somados a péssimas condições de trabalho e desrespeito da maioria dos oficiais.

Porém, o sentimento de que O Grande Motim realmente começou ocorre na entrada de Capitão Bligh (soberbamente interpretado por Charles Laughton) em cena. O confronto entre um Christian mais humanista, quase que ensinando aqueles homens a serem verdadeiros bucaneiros e um Bligh que de posse de um chicote se auto-intitulava “Capitão, Juiz e Júri” é o destaque da primeira metade. A origem do motim é justamente a forma selvagem com que Bligh tratava seus subordinados, contrariando até os outros oficiais, verdadeiros formadores de opinião em meio àquela micro-sociedade que era o Bounty.

Quase que a dupla de astros vira um trio, já que Cary Grant estava certo para fazer o papel de Byam. Porém, a Paramount não liberou o ator. Quem ganhou com isso foi Franchot Tone, que além do papel foi indicado ao Oscar de Melhor Ator ao lado dos dois líderes do elenco. Aliás, com essas três lembranças na mesma categoria (feito nunca mais igualado) a Academia decidiu, no ano seguinte, criar troféu para os coadjuvantes, dividindo em quatro os prêmios relacionados a atuações (os três perderam o Oscar para Victor McLaglen de O Delator, que nunca assisti, mas não creio que tenha feito trabalho melhor que o de Laughton). Lembrando que Gable à época era o atual vencedor do prêmio da Academia por Aconteceu Naquela Noite e astro absoluto tendo filmado quarenta filmes nos dez anos anteriores. Já Charles Laughton havia vencido dois anos antes por Os Amores de Henrique VIII, mas ainda faria talvez seu filme mais marcante: O Corcunda de Notre Dame.

Notas de produção indicam que Tone e Gable, antes de se conhecerem, não iram muito com a cara um do outro já que anos antes brigaram pelo amor de Joan Crawford. Como os dois eram mulherengos e beberrões, as filmagens de O Grande Motim foram o início de uma grande amizade. História mais escabrosa fica por conta da escalação da dupla Gable-Laughton. Depois que Wallace Berry se negou a interpretar Bligh justamente por não gostar do astro com bigodinho ridículo, o excelente produtor Irving Thalberg (sempre citado aqui no blog) teve o insight de escalar Clark Gable, notório homofóbico ao lado de Charles Laghton, notório homossexual, para viverem antagonistas. O intérprete de Capitão Bligh tinha medo de mar e passou o filme todo enjoado (talvez isso explique um pouco sua cara de poucos amigos e vontade de vomitar durante toda a projeção). Brincadeiras à parte, Laughton se sentiu tão à vontade no papel de Bligh que o diretor Frank Lloyd quis por muitos anos fazer uma continuação (o livro é o primeiro de uma trilogia) de nome “Capitão Bligh” mas nunca conseguiu. Hoje com Hollywood seca por continuações, a história seria diferente.

Com a chegada ao Taiti (com aproximadamente cinqüenta minutos), O Grande Motim ganha movimento, com belas imagens daquele lugar de sonhos, com peixes e frutas em abundância – sem a influência do dinheiro e cercado de belas mulheres. A produção do longa, de pouco mais de dois milhões de dólares, foi a mais cara da história da MGM até então. O espetáculo visual transformou o filme no primeiro campeão de indicações do Oscar, mas rendeu um acidente fatal e outros tantos de menor gravidade nos sets de filmagens gigantes. A fita é toda bem filmada (qualidade técnica maior até que Sem Novidades no Front, porém este impressiona mais hoje) e mesmo parecendo datada envelheceu de maneira satisfatória.

Na volta ao navio, os marinheiros têm que conviver com a volta das chicotadas. Bligh não suporta ver a alegria daqueles homens (muitos viveram romances na ilha) e, para manter vivas as centenas de mudas de fruta-pão trazidas do Taiti, corta o suprimento de água da tripulação (além de exigir que todos entreguem para a Coroa Britânica as lembranças trazidas). A construção de personagem feita por Laughton é incrível e este se destaca ainda mais nos quarenta minutos finais, onde é mostrado o motim de fato e quando o Capitão é colocado em um bote a 3.500 milhas de terra firme. Sua revolta com a insubordinação e seu desejo de vingança preenchem a tela e me faz perguntar o porquê de filmes de aventura atualmente não produzirem grandes interpretações como essa.

O roteiro a seis mãos (adaptação de um livro) é excelente, mas a direção de Frank Lloyd é que merece ser destacada. O mestre já havia vencido dois Oscars (inclusive um por Cavalgada, que já foi objeto da maratona do blog) e receberia sua última indicação na carreira. A demonstração da qualidade de seu trabalho pode ser observada na ação frenética dos últimos vinte minutos. Já o que de melhor faz o roteiro é deixar como mensagem direta o desejo incontrolável de todo e qualquer homem de ser escravo. Nota 9




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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Cavalgada



Estreia – 15/04/1933 (nos EUA) – Os créditos iniciais entregam que o roteiro de Cavalgada conta a história de infelicidade e infortúnio de uma família sob os olhos de mães e filhas na Inglaterra do início do século XX (passagem de tempo que lembra Cimarron, transferindo a ação do Velho Oeste Americano para a terra da Rainha).

Na virada de 1899 para o ano 1900 os ingleses se preparavam para enviar um novo lote de soldados para a longínqua África do Sul em uma fase muito particular dessa nação. Aquele povo estava prestes a assistir os ex-colonizados do Novo Continente superar a ex-metrópole e se tornar a maior potência mundial. Todavia, naquele final de 1899, a maioria estava preocupada com os filhos, pais e maridos que caminhavam para mais uma guerra inútil.

Cavalgada é mais um dos vencedores do Oscar de Melhor Filme a pregar uma mensagem antibélica, criticando a falsa promessa do conflito breve para obter adesão popular, lição que foi muito bem passada em Sem Novidades no Front (que se utiliza o povo alemão). O sofrimento daqueles soldados que viajavam mais de quinze dias pelo mar só para chegarem ao local do conflito não é muito explorada, já que o roteiro cobre mais de trinta anos de História. Isso criou um corte interessante em Cavalgada: da bela e imponente cena de despedida dos soldados para o desespero das mulheres procurando nome de familiares na lista dos mortos, constantemente atualizadas.

O longa é mais uma adaptação de uma peça (que custou US$ 100 mil para o estúdio), com o diferencial de que boa parte da trilha utilizada foi trazida do teatro. E justamente um dos destaques de Cavalgada são as canções e melodias – muitas que qualquer espectador reconhece nos primeiros acordes. Pena que o filme foi pouco visto (a “Meca” dos portais de cinema, IMDB, não conseguiu juntar mil votos de internautas e You Tube não tem nenhum vídeo do filme), já que se trata de um dos primeiros exemplares do “cinemão” de Hollywood: takes grandiosos com trilha marcante, momentos de música e dança muito bem realizados e por aí vai.

Talvez o principal responsável por esse excelente resultado seja o diretor Frank Lloyd, que já estava ambientado com aquilo que o público americano queria ver no cinema, sendo Cavalgada seu 115º trabalho como diretor. Ele venceria seu segundo Oscar na carreira por este filme (o primeiro foi conquistado em 1930 por A Divina Dama) e seria lembrado mais uma vez dois anos depois por O Grande Motim (que venceria na categoria principal). Cavalgada ainda venceria Oscar de Direção de Arte e renderia uma indicação para a atriz Dyana Wynyard (Jane Marryot) – que é o centro dos acontecimentos e outro destaque da história. Quem também merece ser citado é o ator Clive Brook, já veterano à época, com 80 trabalhos no cinema.

A guerra com a África do Sul, como sempre, se arrasta. O retorno dos soldados puxa o drama para a roda e algumas cenas menores fazem o ritmo de Cavalgada cair um pouco. O corte para 1908 mostra o veterano de guerra alcoólatra naquele que seria o primeiro de muitas vítimas indiretas dos tempos de violência pela qual passava a Europa. Já em 1912 o casal em lua-de-mel inicia uma interessante discussão questionando a eternidade do amor e do casamento (moderno para a época, não?). Porém, uma revelação quando os dois saem de cena deve ter arrancado suspiros dos espectadores no cimema.

Claro que o miolo do filme serve apenas para ligar a batalha inicial entre a Inglaterra e África do Sul com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Aos poucos Cavalgada vai crescendo de novo, mostrando o desenvolvimento bélico revolucionário (da espada para o revólver) e passando a limpo anos de importantes transformações que levariam, no final da década de 1930, a outra leva de mudanças permeada por sangrentas batalhas.

Há, porém, uma cena que se destaca das demais. A mãe recebendo a notícia da morte do filho e do fim da guerra, caminhando no meio da rua em um misto de emoções é inesquecível. A chegada da crise econômica abre espaço para uma linda canção, interpretada pela atriz Ursula Jeans no papel de Fanny Bridges. A música, em tom pessimista e forte, questiona o porquê do século XX se mostrar tão sombrio e triste nas duas primeiras décadas.

Outro ponto positivo é a utilização da maquiagem de envelhecimento dos atores, técnica que Hollywood sempre gostou de utilizar. Porém, a cereja do bolo (e sempre tem a cereja do bolo nos clássicos) acontece na virada de 1932 para 1933, quando a protagonista Jane Marryot faz um brinde ao futuro e ao passado de glórias e tristezas da Inglaterra. A fala final, voltada para o público, olhando fixamente a câmera, é linda e levanta a auto-estima de qualquer um que duvide de seu país. É quase uma demonstração de gratidão dos Estados Unidos ao povo que ajudou a molda-lo.

O roteiro de Cavalgada poderia ter um tom mais otimista. Todavia, as imagens do progresso (carros, aviões) podem ser interpretadas como uma boa forma de utilizar a constante evolução do mundo de forma positiva. A frase final, quase uma atualização da Igualdade, Liberdade e Fraternidade da Revolução Francesa, nunca foi seguida: dignidade, grandeza e paz. Mais uma vez ninguém aprenderia a lição. Pelo menos ganhamos outro grande filme. Nota 8

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sábado, 14 de novembro de 2009

Grand Hotel



Estreia - 11/09/1932 (nos EUA) Os créditos de Grand Hotel já revelam um elenco estelar (há relatos de tensões e quase conflitos entre tantos egos gigantes), naquele que talvez seja a primeira produção nesse sentido, juntando atores consagrados. Porém, o primeiro destaque dado pelo roteiro é ao porteiro que aguarda que sua mulher dê a luz. Depois, em rápida sequência dentro de cabines telefônicas, somos apresentados a alguns dos principais personagens da trama. Em seguida, a célebre frase "Grand Hotel... As pessoas vêm e vão e nunca acontece nada", proferida pelo Doutor interpretado por Lewis Stone.

O roteiro é uma adaptação de peça da Broadway de William A.Drake, que gerou quase 500 performances. A adaptação para os teatros da Alemanha, realizada por Vicki Baum também fez muito sucesso. Quase um esboço dos tão comentados e controversos filmes-mosaico, a gama de personagens apresentadas não se compara a longas como Magnólia e Short Cuts – Cenas da Vida. Porém, com roteiro centrado nos diálogos e interpretações cuidadosas, o filme se sustenta muito bem.

A fórmula seria muito utilizada (principalmente em comédias, sempre em um hotel) e aperfeiçoada, mas isso não diminui Grand Hotel, que foi produzido (apesar de ausente o devido crédito) pelo gênio Irving Thalberg, da primeira versão de Ben-Hur, A Divorciada, Tarzan - O Homem Macaco e que levaria os Irmãos Marx à sua melhor época com Uma Noite na Ópera e Um Dia nas Corridas. Além de Grand Hotel ele já havia produzido Melodia na Broadway e produziria outro vencedor do Oscar de melhor filme, O Grande Motim. Morreria com apenas 37 anos.

O destaque fica por conta de Otto Kringelein, magistralmente interpretado por Lionel Barrymore (Buster Keaton foi cogitado para o papel). O homem que descobre ter poucos dias de vida e decide torrar seu dinheiro no luxuoso hotel é sincero desde o início e responsável pelas melhores cenas. Claro que quando se tem Greta Garbo no elenco é difícil não destacá-la. Porém, sua Grusinskaya brilha sozinha, quase sempre em monólogos, interagindo pouco com os outros personagens. Com vinte minutos acontece sua primeira aparição, onde Garbo, em close, revela que "nunca esteve tão cansada na vida". A atriz, então com 26 anos, havia se destacado nos anos anteriores, sendo inclusive indicado ao Oscar em 1930 por dois filmes diferentes na mesma categoria. Ela só se cansaria mesmo uma década depois, quando abandonaria a carreira no auge. Outra frase dela iria para a lista das 100 maiores do cinema americano: "eu quero ficar sozinha", que achei menos “impactante”.

Com toques de ironia e boas tiradas (exemplo? "Não entendo nada de mulheres, estou casado a trinta anos”), a parte dramática de Grand Hotel fica em grande parte nas mãos de Greta Garbo. Um exemplo é quando a dançarina (uma maluca beleza, daquelas que todos conhecem), se nega a fazer seu número porque na noite anterior ela não havia sido aplaudida o suficiente. Nesses momentos o ar teatral pode cansar alguns espectadores. A coisa ganha corpo quando o Barão, vivido por John Barrymore (o único dos cinco a nunca ter sido indicado ao Oscar), tenta furtar as joias da dançarina. A prova do magnetismo que Greta Garbo (a única entre os indicados que nunca venceu o prêmio da Academia) exerce até hoje acontece nessa cena, em que a doida descobre o homem que queria roubar seus bens e vira amante e confidente.

O reflexo da crise de 1929 é mostrado nas negociações de uma fusão entre empresas do ramo têxtil. Wallace Berry é o diretor Preysing e Joan Crawford a bela estenografa. A atriz não dividiu qualquer cena com Greta Garbo, algo proposital para que uma grande estrela não ofuscasse outra. Talvez a parte menos interessante seja essa passagem da história. Apenas quando todo mundo se encontra em um baile no final do dia, é que a inserção da história de Preysing faz sentido. Ele é o chefe de Otto, que parecia estar saudável enquanto dançava com a estenografa - após árdua competição entre pretendentes. Só que ao ver o patrão e entender que sua exploração que o deixou doente abre-se a porta para umas das melhores cenas do filme.

Mesmo que a pessoa não goste de cinema antigo (um preconceito bobo, mas que infelizmente existe) ninguém pode alegar que Grand Hotel não seja simples de assistir, possuindo fluidez. Há excelentes cenas dramáticas, uma discussão sobre a moral de um ladrão (já que o Barão demonstra presença de escrúpulos quando desiste de mais um roubo) e a formação de uma interessante teia. Pode ser que o longa não se destaque em meio a tantos grandes filmes do mesmo gênero, bem como em meio a outros vencedores do Oscar de Melhor Filme (e a produção só foi indicada e venceu nessa categoria), mas tem seu valor. Tanto que no epílogo do filme, quando o porteiro reaparece falando do nascimento de seu filho, é que nos damos conta de que só se passaram dois dias de história.

Cinéfilos do mundo todo lamentam o fato do trailer original do longa ter se perdido. Porém, o grande destaque de uma sessão de Grand Hotel é a conclusão do personagem em "estado terminal", vivido por Lionel Barrymore (que não conto para não estragar). Coisas que ficam mais na memória. Coisas que fazem filmes como Grand Hotel, com o passar do tempo, virarem verdadeiros clássicos. Nota 7



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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Cimarron (1931)



Estreia - 9/2/1931 (nos EUA) - Realmente o cinema americano estava engatinhando em 1931, mas já dava para perceber que eles nasceram com o dom de criar grandes espetáculos. A primeira versão de Cimarron é um reflexo da sociedade da época (pós-crack da Bolsa de Valores) e você percebe que os estereótipos de negros escravos e índios burros ou ladrões ainda estão lá, ainda sem uma preocupação com o politicamente correto. Dizem que a refilmagem de 1960 estrelada por Glenn Ford é superior. Ambos são adaptações de livro de Edna Ferber, autora de outras obras que se tornariam clássicos do cinema americano como O Barco do Amor, Assim Caminha da Humanidade e Jantar às Oito.

Em 1930 o estúdio desembolsou US$ 125 mil para comprar os diretos de Cimarron, um recorde absoluto na época. O longa foi o primeiro faroeste a vencer o Oscar na categoria Melhor Filme e divide essa honra com Os Imperdoáveis, já que a Academia passou ao largo do auge do gênero nos anos 1940 e 1950. Além dessa, o filme venceu nas categorias Roteiro Adaptado e Direção de Arte, sendo indicado em mais quatro categorias (Diretor – Wesley Ruggles, Ator – Richard Dix, Atriz – Irene Dunne e Fotografia). O problema é que eu não consigo gostar muito de filmes de faroeste, sendo raras as produções que me agradem por completo (exemplos óbvios: Butch Cassidy e Sundance Kid, Três Homens em Conflito, Rastros de Ódio e o não-tão-óbvio Onde Começa o Inferno). A primeira versão de Cimarron, porém, não me enche os olhos.

Não sei se é porque retrata uma sociedade altamente improdutiva, que só queria beber, andar de cavalo e sair dando tiro por aí. Eles não tinham teatro, biblioteca, nada. Não sei se a inserção de dramas no meio da ação deixa alguns filmes arrastados demais. Tudo bem que Cimarron mostra o poder de organização que aquelas pessoas tiveram. Sem ajuda do Governo nem nada, eles conseguiram montar suas cidades, definir suas leis e evoluírem (mas também eram bárbaros ao extremo, em alguns momentos). Só que eu acho essa coisa de Velho Oeste faroeste muito chata.

Algumas imperfeições são claras no filme, já que eles ainda estavam se acostumando com a chegada do som no cinema. Nas cenas em que tem trilha sonora esta é interrompida (não tem seqüência) entre um take e outro. Os atores fazem caras e bocas terríveis (não sei como o protagonista Richard Dix conseguiu ser indicado ao Oscar de Melhor Ator, em alguns momentos dramáticos parece que estou diante de uma comédia). O diretor Wesley Ruggles (que não sei porque não foi creditado) possuía larga experiência no cinema mudo com mais de oitenta trabalhos. Dez anos depois ele realizaria outro famoso faroeste, Arizona, com William Holden e Jean Arthur, já mais ambientado ao cinema falado.

O elenco é liderado por uma Irene Dunne no início de sua prestigiosa carreira – Cimarron é seu segundo longa e a primeira das cinco indicações que recebeu (todas como atriz principal, incluindo uma pelo clássico Cupido é Moleque Teimoso). Já Richard Dix naquele momento começava sua fase de estrela maior do estúdio RKO. Porém, com exatos cem trabalhos como ator em breves trinta anos de carreira, pouco se lembra hoje do astro.

Quando um período da narração sofre um salto sempre vem acompanhado de um “texto explicativo”, como se procedia com os filmes mudos. Os roteiristas deviam ser os mesmos, portanto, desacostumados com um texto só de falas. Todavia, as cenas de ação do início do filme são realmente impressionantes para a época. Demorou uma semana para ser filmada e contou com 5.000 figurantes e 28 câmeras, mostrando a mania de grandeza que Hollywood começava a desenvolver. Tem um “quê” de valor histórico, até meio documental, muito interessante, pois a história vai dos últimos vinte anos do século XIX até 1930 (um ano antes do lançamento do filme). Porém, algumas cenas são longas demais (externas eram luxo naquela época), o que faz o filme parecer uma peça de teatro em alguns momentos.

As mulheres têm papéis importantes. A prostituição é tratada diretamente, mas não é citada, por incrível que pareça. Tem que ter uma boa percepção, principalmente a geração de hoje que está acostumada com tudo mastigado. Porém, a presença feminina na política já é motivada por essa fita, de quase oitenta anos atrás – algo interessante, pois só em 2008 os EUA tiveram uma chance real de ver uma mulher como Presidente da República.

Mesmo com tanta pompa e vencendo o prêmio máximo do cinema, Cimarron gerou um prejuízo ao estúdio R.K.O. de US$ 5,5 milhões (o que pela atualização inflacionária equivaleria hoje a US$ 58 milhões). Até hoje é a única produção vencedora do Oscar de Melhor Filme a ter trazido prejuízo a seus realizadores, mesmo com excelentes críticas na época. Um reflexo da Grande Depressão, que detonou com o bolso do público norte-americano. Também foi o primeiro a ter alcançado o feito de obter indicações nas cinco categorias principais (Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro). Aliás, o único da R.K.O. a ter o prêmio máximo, já que o estúdio apenas distribuiu Os Melhores Anos de Nossas Vidas em 1946 (produção de Samuel Goldwyn).

Se julgasse o longa na sua época creio que este ganharia de 7 para cima. Mas, como eu tenho que tratar todos os filmes igualmente, minha nota é 5. Não consigo achar esse faroeste tão interessante. A nota pode parecer baixa para um vencedor do Oscar, mas é justa. Nota 5



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Sem Novidades No Front


Estreia - 15/09/1930 - Sem Novidades No Front se passa nas trincheiras alemãs em meio à interminável 1ª Guerra Mundial. O objetivo do roteiro adaptado do livro de Erich Maria Remarque (que foi cogitado para o papel do protagonista ao lado de Douglas Fairbanks Jr.) já se mostra claro na introdução ao filme: mostrar o grau de destruição e estupidez de uma guerra desse tamanho, extremamente cansativa e capaz de multiplicar o número de mortos em pouco tempo.

Por poucos minutos um grupo de moradores de uma cidade alemã parece feliz com a vida que leva, sendo o carteiro do local uma das pessoas mais populares, sempre sorrindo e tratando as pessoas de maneira cordial e amiga. Porém, a promessa (que sempre se repete nas guerras) de um conflito breve, que ajudaria muito o país, fez com que a Primeira Guerra Mundial conquistasse apoio popular em seu momento inicial (outra constante em conflitos deste porte). Sendo assim, milhares de jovens se alistam para a admiração das mulheres e desespero dos pais.

O diretor Lewis Milestone, em poucos minutos, dá essa visão geral, ampla, rápida e muito eficiente da história que pretende contar. A virada acontece quando o grupo de jovens alemães no qual Sem Novidades No Front focará começa seus treinamentos para irem para as trincheiras. O carteiro assume seu cargo de Oficial de alta patente que fica revoltado ao não conseguir angariar o respeito digno desta patente que carrega, deixando para trás os anos em que tratou aqueles jovens como iguais.

Milestone já contava com quinze produções em seu currículo e havia se destacado dois anos antes do lançamento de Sem Novidades no Front com os longas Two Arabian Knights (pelo qual venceria o prêmio de Melhor Diretor no primeiro ano do Oscar) e The Garden of Eden, ambos com a mesma temática. Sua investida em filmes de guerra foi muito bem sucedida já que Sem Novidades no Front foi o grande campeão do Oscar em 1931, levando os prêmios de Melhor Filme e justamente Melhor Diretor (com indicações para Roteiro e Fotografia). No ano seguinte o diretor seria lembrado por Última Hora. Destacar-se-ia mais ao final de sua carreira as produções Caminhada Sob o Sol (1945), a primeira versão de Onze Homens e Um Segredo (1960) e a segunda de O Grande Motim (1962).

O grande mérito de Lewis Milestone foi trazer um espetáculo visual pouco visto no cinema, mesmo oitenta anos depois do lançamento de Sem Novidades no Front, somada a uma mensagem direta e bem mandada, tanto que este é considerado um dos maiores filmes pacifistas de todos os tempos. Pegue como exemplo o treinamento pesado pelo qual passam os novos soldados. Quantas releituras foram feitas daquelas cenas no contexto de qualquer outra guerra posterior? Sendo gastos mais de um milhão de dólares (superprodução na época), as filmagens começaram poucos meses após o crack da bolsa de Nova York, atitude coragem da Universal, recompensada com o título de filme do ano.

Os momentos nas trincheiras e os tiroteios, com direção e produção muito bem realizadas, impressionam o espectador de hoje. O elenco parece familiarizado com o som, que ainda engatinhava no cinema à época (uma versão muda do longa seria exibida em circuito reservado no ano de 2003). O ambiente claustrofóbico que afeta a mente daqueles Oficiais, o pesadelo e inferno que viram suas vidas inserem o drama na batalha, mostrando a linguagem moderna na qual Sem Novidades no Front dialoga com quem o assiste. A direção é ousada, com a câmera no meio da ação (como Hollywood conseguia realizar coisas assim no final da década de 1920?) e as batalhas coreografadas (em cortes longos) utilizando mais de dois mil figurantes engana quem arrisca dizer que o longa é trinta ou até quarenta anos mais novo. A ausência de trilha sonora foi proposital para que o público prestasse ainda mais atenção no que estava querendo ser passado ali.

Mesmo no momento em que o roteiro separa um pouco do tempo para tratar dos reflexos da Guerra, como as mortes lentas e dolorosas e as amputações e mutilações sofridas por milhares de jovens, o ritmo do filme cai. Para quem gosta de cinema, bolei uma tese de que Sem Novidades no Front e Os Melhores Anos de Nossas Vidas (outro vencedor do Oscar de Melhor Filme, que será trazido ao blog daqui a alguns dias) se completam. O mais antigo trata de toda a fase pré e durante a Guerra se passando na IGG e o segundo mostra a volta para a casa das verdadeiras vítimas da IIGG.

Mas a pérola do roteiro é o contraponto entra as duas cenas ocorridas numa sala de aula. A primeira mostra o professor motivando aqueles jovens a irem lutar pelo seu país. A segunda mostra o mesmo professor convidando para algumas palavras o único que retorna para a casa (e que depois retornaria ao front), recebendo em troca um discurso de revolta, criticando duramente a maneira selvagem com a qual o homem deseja solucionar os problemas entre nações.

Destaco também a reflexão de um dos soldados em frente ao amigo morto, mostrando mais uma vez o peso e a grandeza do roteiro de Sem Novidades no Front. Passando por outros ambientes (como os raros momentos de diversão das tropas com bebidas e mulheres; e os hospitais improvisados, que são verdadeiras prévias do inferno) só faltava ao longa um epílogo seco e poético. E ele está lá. Sem dúvida é um dos filmes de guerra que mais me impressionou positivamente, se revelando um dos grandes destaques do gênero.

Pena que a Humanidade não entendeu a mensagem tão pertinente há oitenta anos, mas infelizmente tão atual. O maior exemplo é que quando Sem Novidades no Front estreou na própria Alemanha, os Nazistas interrompiam a projeção para inserir propagandas de sua Doutrina. Já o ator Lew Ayres, que pegou gosto pela mensagem anti-guerra, estrelaria outros filmes sobre o assunto. Tais filmes seriam banidos dos cinemas de Chicago no momento em que os Estados Unidos se preparavam para entrar na Segunda Guerra Mundial. Além disso, Sem Novidades no Front se encontrou banido na Itália até 1956. Nota 10



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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Melodia na Broadway (1929)



Estreia – 1/2/1929 (nos EUA) – Melodia na Broadway é um dos filmes (se não for o filme) mais fraco a ter no currículo o título de vencedor do Oscar de Melhor Filme. Digo isso porque já li crítico de cinema especializado em Oscar admitir que o cinéfilo que nunca assistiu à produção laureada em 1930 não precisa se lamentar.

O principal mérito a ser registrado fica por conta de ser tal filme o primeiro musical totalmente falado – já que O Cantor de Jazz era um longa sem falas e algumas poucas canções. Melodia na Broadway também inaugurou o playback, quase sem querer. A cena de “Wedding of the Painted Doll” foi filmada originalmente em duas cores (em corte que se perdeu, o que faria da produção a primeira colorida a receber o prêmio máximo de Hollywood). Porém, a coreografia foi rejeitada pelo estúdio. Sendo assim, a cena foi filmada novamente, mas utilizando a gravação antiga. Nasceu o playback e foi essa a melhor coisa que aconteceu, já que o som das outras cenas deixa a desejar.

Melodia na Broadway, apesar de ser hoje um filme pouco visto, foi um estouro de bilheteria. Com ingressos à época custando 35 centavos de dólar conseguiu lucro acima de 4 milhões – o que dá mais de 11 milhões de bilhetes vendidos e mostra a enorme diferença do apelo do cinema no Brasil (onde Titanic, o filme que mais levou gente para a frente da tela grande, vendeu 18 milhões de ingressos) e Estados Unidos (que há oitenta anos atrás levava quase o mesmo número de pessoas para ver um filme).

O sucesso fez com que Melodia na Broadway virasse uma série, com produções em 1935, 1938 e 1940 – todas estreladas por Eleanor Powell, ao lado de Robert Taylor nos dois primeiros e Fred Astaire no terceiro. Todavia, o elenco do “longa de origem” está longe de ser inesquecível. O roteiro conta a história de Eddie, cantor e compositor que prepara uma música para um show da Broadway e convida sua noiva Hank e a irmã desta, Queenie (as Irmãs Mahoney) dupla de sucesso do outro lado do país, para interpretar a canção na Meca do teatro americano.

Eddie é interpretado por Charles King, que depois de fazer sete filmes nos primeiros cinco anos da carreira, abandonou o cinema e rodou o país fazendo shows. Morreu de pneumonia no meio da 2ª Guerra Mundial, que contraiu ao fazer uma de suas apresentações para entreter as tropas. A irmã mais nova, Queenie, é vivida por Anita Page, que faleceu ano passado aos 98 anos. Depois de realizar dezenas de filmes até os 25 anos, virou presença rara no cinema. Já Hank é interpretada por Bessie Love, que teve carreira mais ativa e terminou a carreira com 138 trabalhos entre cinema e televisão, sendo indicada ao Oscar de Melhor Atriz por esse filme.

O início do filme, mostrando uma espécie de academia de dança, lembra um pouco Fama. A imagem panorâmica de Nova Iorque, logo após os créditos, foi “copiada” em outras produções, como Amor, Sublime Amor. Porém, não creio que Melodia na Broadway tenha servido de inspiração para nenhum desses longas posteriores. Com canções simples, a maioria dos números de dança longe de serem grandiosas e o foco do roteiro no triângulo amoroso entre as Mahoney e Eddie pouco se aproveita da história.

O compositor sempre gostou de Hank e enxergava em Queenie uma criança. Mas, como todos sabem, as crianças crescem... Queenie se torna uma mulher mais bonita, talentosa e simpática que a irmã mais velha. Quando Hank é cortada do número musical, esta ainda precisa assistir Queenie, cheia de vida, experimentar o sucesso solo. Porém, em vez de amargurada, Hank se mostra uma pessoa totalmente compreensiva, sem o desejo de guardar qualquer rancor – mesmo vendo seu noivo dando em cima da irmã sem nem disfarçar e a ponto de proibir Queenie de sair com um bon-vivant que fica cortejando a moça.

No número musical que utiliza playback (apresentado de maneira totalmente avulsa – sem ligação com o restante do roteiro) ainda podemos perceber um esboço de grande musical. No restante do tempo o fã do gênero deve se interessar apenas pela primeira metade em que é mostrada várias fases da produção de um show: composição, escolha do elenco, roupas, cenários, coreografias, noite de estréia, repercussão, etc. Além disso, claro, Melodia na Broadway praticamente inaugura o gênero e merece um registro.

A MGM fez uma homenagem a uma figura da época e cutucou outra. O sobrenome do produtor do show, Zanfield, é uma clara referência a Ziegfeld, mentor de grandes Follies na Broadway da época e personagem de outro filme vencedor do Oscar de melhor filme (Ziegfeld, o Criador de Estrelas – muito melhor que Melodia na Broadway). Já o “vilão” recebeu o nome de Jock Warriner, referência a Jack L. Warner, “cabeça” da Warner Bros e grande concorrente da MGM naquele tempo (Melodia na Broadway foi o primeiro filme falado deste estúdio).

Ironicamente hoje quem detém os direitos do catálogo da MGM é justamente a Warner, que possibilita às novas gerações assistir até mesmo o filme que tirava sarro da ex-concorrente. O gênero musical evoluiu tanto que é normal que se conclua que é dispensável uma sessão desse Melodia na Broadway. Dispenso até o corte original, dez minutos mais longo. Nota 4


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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Morte em Veneza




Estreia – 17/06/1971 – Para os radicais, os simplistas e os impacientes, Morte em Veneza será descrito como o filme de um homem que, após a perda da mulher e da filha, vaga pela Europa até descobrir sua homossexualidade ao se apaixonar por um adolescente. Ou seja, a temática gay de maneira mais velada do que o cinema atual e o toque de sensualidade juvenil típico de Lolita, outro filme baseado em outro livro essencial do século passado.

O livro de Thomas Mann, publicado em 1912 é (dizem) extremamente complexo e de difícil leitura. A produção de 1971, dirigida por Luchino Visconti, também requer total atenção do espectador, que na maioria das vezes opta por viajar por outros caminhos ao longo das duas horas e dez minutos, deixando Visconti e Mann falando sozinhos na sala.

O primeiro era, à época, diretor com quase 30 anos de carreira (indicado ao Oscar dois anos antes pelo roteiro de Os Deuses Malditos) e já tinha realizado suas obras mais conhecidas, como Rocco e Seus Irmãos, O Leopardo e Noites Brancas. Finalizaria apenas três outros filmes após Morte em Veneza, falecendo cinco anos depois. O segundo, que morreu quinze anos antes do início da produção, venceu o Nobel de Literatura em 1929 e, dizem, teve sua homossexualidade reprimida desde os quinze anos de idade, utilizando a escrita para exorcizar seus demônios.

Depois de encher você de três parágrafos de informações que nada dizem sobre o que achei sobre Morte em Veneza o caro leitor se pergunta: mas ele gostou ou não gostou do filme? Olha... Eu... Não gostei muito não. Há belas imagens, interpretação incrível de Dirk Bogarde (em papel que marcou sua carreira e quase foi de Burt Lancaster) e um ar contemplativo, intrigante e sensual que prende a atenção de quem não busca apenas entretenimento ao assistir um filme. Porém, uma produção desse tipo, com tudo para ser inesquecível, precisa ser arrebatadora.

Aliás, abro espaço para duas curiosas notas de produção. A primeira aconteceu na premiére do filme, quando Tom Couternay disse que Alec Guinness deveria ter interpretado Gustav, informando que com ele o público acreditaria que o protagonista era um grande compositor, imagem que ele não conseguia enxergar em Dirk Bogarde. Creio que Tom estava apenas puxando sardinha para aquele que deve ter virado seu amigo nas filmagens de Doutor Jivago, lá pelos idos de 1964. A outra nota fica por conta de uma declaração do ator Mark Burns que interpreta Alfred e, anos depois, contou que nunca entendeu o significado dos seus diálogos – que ironicamente achei os mais interessantes.

Quando Morte em Veneza merece aplausos apenas por ser correto e diante do fato de não divertir, mas também não despertar qualquer sentimento de forma mais latente, é sinal que a algo ali deixou a desejar. Porém, destaco a maneira como o protagonista Gustav é pintado logo nos primeiros dez minutos por Visconti, sem a necessidade de qualquer diálogo. O viajante profundamente abalado vai passeando por cenários (navio, gôndola, hotel, praia) enquanto poucos flashbacks abrem o leque e explicam o porquê da aflição daquele homem. Destaco também a incrível trilha sonora utilizada de forma brilhante durante todo o tempo.

Minha idéia era tratar do roteiro mais detalhadamente, até desmistificando um pouco Morte em Veneza e incentivando os poucos que se arriscam a ler meus textos a assistir. Creio que não é necessário alongar tanto assim o texto. Qualquer resenha ou sinopse do livro e do filme já conta que Gustav era um homem extremamente introspectivo, que criou um ideal de beleza e perfeição que só encontra na figura do garoto Tadzio, que além de bonito é afeminado e gosta de se insinuar para o coroa.

O tema difícil somado à temática polêmica fez com que Morte em Veneza fosse lembrado apenas na categoria Figurino do Oscar. Ironicamente o filme da “bicha velha” não emocionou tanto assim as “bichas velhas”. Porém, no Velho Continente a produção foi mais bem reconhecida com quatro BAFTAs (em categorias técnicas) e outras três indicações (filme, diretor e ator); indicação à Palma de Ouro em Cannes e um prêmio especial à Visconti dado pelos 25 anos deste Festival.

Eu sei que tenho que quase pedir desculpas por dar uma nota que muitos consideram baixa (eu considero nota de filme bom-muito bom) para filme tão badalado. Mas, minha opinião não é dada só para agradar, mas para retratar minhas impressões. Acho que Morte em Veneza poderia sim render mais, principalmente com uma atuação melhor de Björn Andrésen, que faz Tadzio e foi dublado (mesmo sendo característica do personagem o ar andrógino). Espero ter me expressado de maneira menos complexa que Mann e Visconti – mesmo sem ser nem um pouco brilhante. Nota 5


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terça-feira, 3 de novembro de 2009

Faça a Coisa Certa



Estreia – 30/06/1989 – Faça a Coisa Certa, inspirado em um evento real e com título inspirado em frase de Malcom X, é um filme que dialoga pouco com o público brasileiro. Aliás, o longa que revelou ao mundo Spike Lee (indicado ao Oscar de Melhor Roteiro) é puro cinema americano para os americanos – apesar de Cannes ter listado a produção entre as indicados à Palma de Ouro. Há pontas de início de carreira de Samuel L. Jackson, Rosie Perez (em sua única cena de nudez, já que a mesma se negou a repetir a experiência na carreira) e Martin Lawrence.

O roteiro situa o espectador na pobre região do Brooklyn, na Nova Iorque do final da década de 1980 no dia mais quente do ano. Negros, hispânicos, asiáticos e italianos vivem em constante tensão enquanto racionam água e luz. Spike Lee, mesclando a história com o som do hip-hop, pinta a rotina de diversos personagens nos primeiros minutos de Faça a Coisa Certa, tornando o filme pouco interessante para aqueles que nada sabem sobre ele, desconhecendo sua importância. Mesmo assim é inegável a excelente direção do ora novato, incluindo cenas com diálogos inteiros improvisados (os maiores exemplos são as cenas do trio de negros de meia-idade que conversam na calçada, trazendo um toque de humor a Faça a Cosia Certa).

Porém, quando a história se foca na Pizzaria do Sal (Dannny Aiello, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em papel que não foi aceito por Robert de Niro) por volta dos quinze minutos, é possível traçar de maneira mais objetiva o que pretende o diretor e roteirista. Quando um dos clientes da pizzaria de propriedade de italianos, mas freqüentada exclusivamente pelos negros questiona a “parede da fama” do local, abre-se a porta da discussão racial.

Sal se orgulha dos descendentes de italianos que venceram na América, como Al Pacino, Robert de Niro e John Travolta, mas uma voz da comunidade local começa a questionar o porquê de limitar a homenagem a apenas um dos grupos de imigrantes, já que na região diversas etnias convivem harmoniosamente sendo os negros, inclusive, maioria.

Os dois filhos de Sal se dividem: enquanto o mais velho deseja se mudar do Brooklyn e não se envolver mais com negros, o mais novo se mostra mais compreensivo, fazendo amizade com Mookie, o entregador de pizzas negro, interpretado pelo próprio Spike Lee e responsável por ligar as pontas da história (para ao final rompê-las de maneira abrupta).

O grande mérito de Lee foi levar os problemas de seus pares à tela grande de maneira atraente. É o típico “filme-símbolo”, com personagens e trilha que não sairá fácil da memória de quem assiste (principalmente Fight The Power, do Public Enemy). O reflexo se encontra na cultura pop atual, que investe grande parte de suas energias em artistas negros, principalmente na música. Faça a Coisa Certa possui roteiro dinâmico, é simpático, mas talvez tenha envelhecido para o grande público, que talvez não o considere tão atraente.

Destaco Ossie Davis no papel de Prefeito e os fortes argumentos a favor dos negros embutidos no roteiro, como no momento em que Mookie convence o filho mais velho de Sal, Pino (John Turturro, em papel que Lee queria que fosse de Matt Dillon), de que grandes referências modernas – não só culturais – são de pessoas de cor, como Nelson Mandela, Michael Jordan, Eddie Murphy e Michael Jackson.

Mas não espere uma história que retrate negros apenas como segregados e injustiçados. Spike Lee se preocupa em apontar alguns defeitos, cutucando a própria ferida. O principal deles é a falta de mobilização, como uma espécie de acomodação com o preconceito que neles recai. Percebe-se isso no boicote proposto por Buggin’ Out (Giancarlo Espósito, que ironicamente descende de italianos) que só consegue a adesão de duas pessoas. É deste personagem o famoso bordão “continue preto”. Mesmo sem qualquer perspectiva, a maioria dos abastados ali não procura uma mudança efetiva.

Porém, a ausência daquele diálogo que seria aberto com o tal boicote gera uma conclusão surpreendente do roteiro. A princípio, Spike Lee pode parecer instigar o ódio, mas sua mensagem ao fim entrega a interpretação que o diretor busca: mostrar um extremo para provocar uma reflexão. Vinte anos após o lançamento, observa-se facilmente como a cultura hip-hop e os anseios do povo que a criou restam-se totalmente descaracterizados. Como disse no início, Faça a Coisa Certa não dialoga com o público a qual me insiro, mas é perfeitamente possível admirar tal filme. Nota 7


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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Oscar - Melhor Filme

Começamos mais uma maratona aqui no blog. Até o final desse ano e o início do ano que vem, assistirei 75 dos 81 vencedores do Oscar ainda não comentados aqui - incluindo um texto melhor sobre Onde os Fracos Não Têm Vez. Ao longo dos dias também colocarei, a exemplo do Movie Awards e do Festival de Cannes, a lista com vencedores e meus comentários.

Convido o leitor a clicar do lado esquerdo da tela no Índice Geral de Prêmios, que será atualizado constantemente com os meses em que o blog ficou parado.

Geralmente eu faço meus comentários sobre a lista dos vencedores nos posts - tratando de justiças e injustiças e contando algumas curiosidades. Porém, como já tratarei de dezenas de categorias (atuais e extintas) e acabo de me comprometer a assistir TODOS os filmes pelas próximas semanas, deixo vocês com a lista em que se pode clicar no nome dos longas para ler meus comentários, voltados ao fato da produção ter vencido o prêmio que é considerado o mais importante do cinema.

Passo a comentá-los (exceto os que já falei em posts anteriores) por ordem cronológica, do primeiro vencedor ao último:

AnoFilme
1929Asas
1930Melodia da Broadway
1931Sem novidade no Front
1932Cimarron
1933Grand Hotel
1934Cavalgada
1935Aconteceu naquela noite
1936O grande motim
1937Ziegfeld, o criador de estrelas
1938Emile Zola
1939Do mundo nada se leva
1940E o vento levou...
1941Rebecca, a mulher inesquecível
1942Como era verde o meu vale
1943A rosa Miniver
1944Casablanca
1945O bom pastor
1946Farrapo humano
1947Os melhores anos de nossas vidas
1948A luz é para todos
1949Hamlet
1950A grande ilusão
1951A malvada
1952Sinfonia de Paris
1953O maior espetáculo da Terra
1954A um passo da eternidade
1955Sindicato de ladrões
1956Marty
1957A volta ao mundo em 80 dias
1958A ponte do Rio Kwai
1959Gigi
1960Ben-Hur
1961Se meu apartamento falasse
1962Amor, sublime amor
1963Lawrence da Arábia
1964As aventuras de Tom Jones
1965My fair lady
1966A noviça rebelde
1967O homem que não vendeu sua alma
1968No calor da noite
1969Oliver!
1970Perdidos na noite
1971Patton, rebelde ou herói?
1972Operação França
1973O poderoso chefão
1974Golpe de mestre
1975O poderoso chefão - parte II
1976Um estranho no ninho
1977Rocky, um lutador
1978Noivo neurótico, noiva nervosa
1979O franco-atirador
1980Kramer vs. Kramer
1981Gente como a gente
1982Carruagens de fogo
1983Gandhi
1984Laços de ternura
1985Amadeus
1986Entre dois amores
1987Platoon
1988O último Imperador
1989Rain man
1990Conduzindo Miss Daisy
1991Dança com lobos
1992O silêncio dos inocentes
1993Os imperdoáveis
1994A lista de Schindler
1995Forrest Gump, o contador de histórias
1996Coração valente
1997O paciente inglês
1998Titanic
1999Shakspeare apaixonado
2000Beleza americana
2001Gladiador
2002Uma mente brilhante
2003Chicago
2004Senhor dos anéis III - o retorno do Rei
2005Menina de ouro
2006Crash, no limite
2007Os infiltrados
2008Onde os fracos não tem vez
2009Quem quer ser um milionário?
2010 Guerra ao Terror
2011 O Discurso do Rei

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