quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Do Mundo Nada se Leva



Estreia – 23/8/1938 (nos EUA) – A maneira otimista com a qual Frank Capra tratava as vítimas da profunda crise financeira nos Estados Unidos da década de 1930 foi a responsável por dar o diretor um espaço nobre na lista dos grandes da Era de Ouro de Hollywood. Do Mundo Nada se Leva não envelheceu com o mesmo status de grande clássico como outras obras já comentadas no blog (Aconteceu Naquela Noite e A Felicidade Não se Compra), sendo lembrada mais pelo prêmio principal na noite do Oscar de 1939 do que por sua qualidade.

Foram sete as indicações para o longa, que perdeu em Roteiro, Atriz Coadjuvante, Fotografia, Edição e Som; porém, além do melhor Filme, deu a Frank Capra seu terceiro Oscar em quatro indicações como diretor (ele perdeu em 1934 por Dama por um Dia, venceu em 1935 por Aconteceu Naquela Noite e 1937 por O Galante Mr. Deeds. Seria indicado ainda em 1940 por A Mulher Faz o Homem e 1947 por A Felicidade Não se Compra). Porém, não foi tão fácil sair vencedor naquele ano, eis que o Sindicato dos Diretores e o dos Produtores estavam em guerra à época da cerimônia e ameaçavam um grande boicote. Capra era justamente o Presidente da Academia e não só contornou o problema como foi o grande ganhador – cujos prêmios, por sinal, devem ser questionados, já que é de se perguntar se membros da Academia não se sentiriam intimidados a votar no seu Presidente. Do Mundo Nada se Leva bateu Com os Braços Abertos e Jezebel, que deu Oscar de atuação para Spencer Tracy e Bette Davis, respectivamente; além de As Aventuras de Robin Hood, clássico em Tecnicolor que imortalizaria Errol Flynn.

O carinho dado a essa obra pelo diretor merece ser ressaltado. Ao assistir à peça que deu origem a Do Mundo Nada se Leva um ano antes em Nova York – quando lá esteve para o lançamento de O Horizonte Perdido – imediatamente desejou filmá-lo. Azar do chefão da Columbia Harry Cohn, que perdeu a queda-de-braço com Capra por duas vezes: na conturbada edição final de Horizonte Perdido e no pagamento da alta quantia (até para os dias de hoje) de duzentos mil dólares pelos direito de Do Mundo Nada se Leva.

Talvez levado por uma onda de perfeccionismo, Capra utilizou mais de cem mil metros de filme, quando um filme nessa época gastava menos de três mil. Já a quantidade de personagens, que na peça é de 19, no filme é de 153. Numa delas, a dançarina de balé perturbada vivida por uma talentosa Ann Miller de apenas quinze anos, é possível observar o grau de exigência do diretor. A atriz faz passos de balé completos e, dizem, sofreu tanto nas gravações que vivia chorando de dor quando não estava em cena. James Stewart ficou responsável em fazer a vida da menina um pouco melhor e enviava caixas e mais caixas de doces para ela. Quando o longa foi lançado, a peça já havia vencido o prêmio Pulitzer de 1937 e estava sendo encenada na Broadway. Seus autores foram George S. Kaufman, roteirista de alguns dos clássicos dos Irmãos Marx, como Uma Noite na Ópera; e Moss Hart – roteirista de um dos meus filmes preferidos da década de 1940, A Luz é para Todos e da versão de 1936 de Melodia na Broadway, obras que renderam indicações ao Oscar ao segundo.

Talvez a culpa seja do trato dado à trama, hoje um imenso clichê por culpa de uma infinidade de obras posteriores. Trata-se de um o roteiro sobre chefe de família que se nega a vender sua casa para milionário que deseja construir ali uma grande indústria. O milionário Sr. Kirby, vivido por Edward Arnold, precisa conviver não só com a negativa da venda da família Sycamore, mas também com o noivado de seu filho Tony (um jovem James Stewart em vias de ir para a Segunda Guerra Mundial – ele foi o primeiro a se alistar na Força Aérea em1941 – e em sua primeira parceria com Capra) e a filha do homem que não aceita se mudar Alice (Jean Arthur, que voltaria a trabalhar com Capra e Stewart em A Mulher Faz o Homem).

Capra não aprofundou pontos que costumeiramente destrinchava em seus filmes, como os pontos negativos na criação de monopólios, principalmente na indústria bélica. Até mesmo a relação familiar e o choque de comportamentos entre os Kirby, alta sociedade carregada de pré-conceitos e os Sycamore, felizes no meio de suas diferenças e maluquices, poderia ser mais explorada. Uma das cenas mais interessantes, (mostrada no vídeo ao final do texto) a do contador mostrado como homem-máquina, que larga tudo para viver seu sonho de ser inventor na casa da família de Alice, é aquela que mais aproxima a mensagem de Do Mundo Nada se Leva a de A Mulher Faz o Homem e A Felicidade Não se Compra. O roteirista Robert Riskin estava bem melhor em Aconteceu Naquela Noite (que lhe rendeu um Oscar) sendo dele também A Dama por um Dia, O Galante Mr. Deeds e Órfãos da Tempestade – filmes que lhe renderam indicações, todos do mesmo nível de Do Mundo Nada se Leva.

Até mesmo as piadas soam datadas e o humor físico remete a outra obra do diretor, Este Mundo é um Hospício, lançada seis anos depois e hoje também menos citada. Como sempre Capra levava às telas o que o cidadão norte americano desejava ver. Em momentos de crise, a valorização de bens extrapatrimoniais, como a lembrança da esposa que já se foi. Além disso, a diminuição a confiança em governos e nos mais endinheirados (o Sr. Kirby orgulha-se em não pagar impostos nos últimos vinte e dois anos) ao mesmo tempo em que ideais são trocados por uma vida mais estável.

Do Mundo Nada se Leva só é entendido quando se imaginava a frustração de um povo acostumado a viver com qualidade, consumindo sem moderação ao passar por uma grave crise. Infelizmente no atual transtorno econômico que América do Norte e Europa hoje vivem não há pessoas com a qualidade de Frank Capra para produzir conteúdos desta natureza (ou talvez seja muito cedo para afirmar tal coisa).

Protagonistas como o Sr. Kirby, que só venceu na vida para abdicar de coisas simples dela (como tocar gaita) sempre alcançam uma digna redenção em exemplares da Era de Ouro. Mesmo assim, a opção por privilegiar a comédia e aproximar o longa de uma peça de teatro (até porque foi adaptada de uma), com ação quase toda acontecendo em um só lugar, faz de Do Mundo Nada se Leva uma obra menos atraente aos olhos dos cinéfilos atuais, apesar dos nomes de peso citados nesse texto que participaram de alguma forma do filme. Mesmo assim, ainda não o suficiente para ser ignorada. Nota 6




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