sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O Grande Motim (1935)



Estreia – 22/11/1935 (nos EUA) – O Grande Motim já foi re-filmado em 1962 (sendo protagonizado simplesmente por Marlon Brando). Como o assunto do momento aqui no blog é a maratona dos filmes vencedores do Oscar de Melhor Filme, deixo para fazer comparações em outra época (o mesmo serve para Cimarron e outros que estão por vir, como A Grande Ilusão). Limito-me a dizer que enquanto a (nem tão) enxuta versão de 1935 venceu o prêmio principal da Academia (indicações: Melhor Ator – três vezes, Diretor, Roteiro, Edição e Trilha Sonora), a refilmagem de mais de três horas de duração saiu da festa de 1963 de mãos abanando, apesar de lembranças nas categorias Filme, Direção de Arte, Fotografia, Efeitos Especiais, Edição, Canção e Trilha Sonora.

O filme conta a história do navio Bounty, da Marinha Britânica, em sua viagem ao Taiti em busca de suprimentos baratos para alimentar os escravos nas colônias inglesas. O evento, de veracidade contestada, foi um marco na luta pelos direitos dos marinheiros, que não se apresentavam voluntariamente, mas eram recrutados em nome do Rei.

Depois de um panorama histórico sucinto (incrível como os filmes antigos possuíam prólogos mais simples e eficientes que os de hoje), o espectador é apresentado a Christian (Clark Gable, sem seu clássico bigodinho já que a Marinha Britânica à época em que se passava a trama não o permitiria). Ele era o responsável por invadir bares e “recolher” homens que passariam os dois anos seguintes na missão do Bounty acima relatada. Viveriam em meio a uma rígida disciplina e hierarquia, somados a péssimas condições de trabalho e desrespeito da maioria dos oficiais.

Porém, o sentimento de que O Grande Motim realmente começou ocorre na entrada de Capitão Bligh (soberbamente interpretado por Charles Laughton) em cena. O confronto entre um Christian mais humanista, quase que ensinando aqueles homens a serem verdadeiros bucaneiros e um Bligh que de posse de um chicote se auto-intitulava “Capitão, Juiz e Júri” é o destaque da primeira metade. A origem do motim é justamente a forma selvagem com que Bligh tratava seus subordinados, contrariando até os outros oficiais, verdadeiros formadores de opinião em meio àquela micro-sociedade que era o Bounty.

Quase que a dupla de astros vira um trio, já que Cary Grant estava certo para fazer o papel de Byam. Porém, a Paramount não liberou o ator. Quem ganhou com isso foi Franchot Tone, que além do papel foi indicado ao Oscar de Melhor Ator ao lado dos dois líderes do elenco. Aliás, com essas três lembranças na mesma categoria (feito nunca mais igualado) a Academia decidiu, no ano seguinte, criar troféu para os coadjuvantes, dividindo em quatro os prêmios relacionados a atuações (os três perderam o Oscar para Victor McLaglen de O Delator, que nunca assisti, mas não creio que tenha feito trabalho melhor que o de Laughton). Lembrando que Gable à época era o atual vencedor do prêmio da Academia por Aconteceu Naquela Noite e astro absoluto tendo filmado quarenta filmes nos dez anos anteriores. Já Charles Laughton havia vencido dois anos antes por Os Amores de Henrique VIII, mas ainda faria talvez seu filme mais marcante: O Corcunda de Notre Dame.

Notas de produção indicam que Tone e Gable, antes de se conhecerem, não iram muito com a cara um do outro já que anos antes brigaram pelo amor de Joan Crawford. Como os dois eram mulherengos e beberrões, as filmagens de O Grande Motim foram o início de uma grande amizade. História mais escabrosa fica por conta da escalação da dupla Gable-Laughton. Depois que Wallace Berry se negou a interpretar Bligh justamente por não gostar do astro com bigodinho ridículo, o excelente produtor Irving Thalberg (sempre citado aqui no blog) teve o insight de escalar Clark Gable, notório homofóbico ao lado de Charles Laghton, notório homossexual, para viverem antagonistas. O intérprete de Capitão Bligh tinha medo de mar e passou o filme todo enjoado (talvez isso explique um pouco sua cara de poucos amigos e vontade de vomitar durante toda a projeção). Brincadeiras à parte, Laughton se sentiu tão à vontade no papel de Bligh que o diretor Frank Lloyd quis por muitos anos fazer uma continuação (o livro é o primeiro de uma trilogia) de nome “Capitão Bligh” mas nunca conseguiu. Hoje com Hollywood seca por continuações, a história seria diferente.

Com a chegada ao Taiti (com aproximadamente cinqüenta minutos), O Grande Motim ganha movimento, com belas imagens daquele lugar de sonhos, com peixes e frutas em abundância – sem a influência do dinheiro e cercado de belas mulheres. A produção do longa, de pouco mais de dois milhões de dólares, foi a mais cara da história da MGM até então. O espetáculo visual transformou o filme no primeiro campeão de indicações do Oscar, mas rendeu um acidente fatal e outros tantos de menor gravidade nos sets de filmagens gigantes. A fita é toda bem filmada (qualidade técnica maior até que Sem Novidades no Front, porém este impressiona mais hoje) e mesmo parecendo datada envelheceu de maneira satisfatória.

Na volta ao navio, os marinheiros têm que conviver com a volta das chicotadas. Bligh não suporta ver a alegria daqueles homens (muitos viveram romances na ilha) e, para manter vivas as centenas de mudas de fruta-pão trazidas do Taiti, corta o suprimento de água da tripulação (além de exigir que todos entreguem para a Coroa Britânica as lembranças trazidas). A construção de personagem feita por Laughton é incrível e este se destaca ainda mais nos quarenta minutos finais, onde é mostrado o motim de fato e quando o Capitão é colocado em um bote a 3.500 milhas de terra firme. Sua revolta com a insubordinação e seu desejo de vingança preenchem a tela e me faz perguntar o porquê de filmes de aventura atualmente não produzirem grandes interpretações como essa.

O roteiro a seis mãos (adaptação de um livro) é excelente, mas a direção de Frank Lloyd é que merece ser destacada. O mestre já havia vencido dois Oscars (inclusive um por Cavalgada, que já foi objeto da maratona do blog) e receberia sua última indicação na carreira. A demonstração da qualidade de seu trabalho pode ser observada na ação frenética dos últimos vinte minutos. Já o que de melhor faz o roteiro é deixar como mensagem direta o desejo incontrolável de todo e qualquer homem de ser escravo. Nota 9




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