sábado, 21 de novembro de 2009

Ziegfeld, O Criador de Estrelas



Estreia – 8/4/1936 (nos EUA) – Quando Frank Capra começava a ganhar maior destaque em Hollywood com o lançamento de O Galante Mr. Deeds, a Academia decidiu no ano de 1937 premiar essa grandiosa produção do, à época, recém-falecido produtor da Broadway, Florenz Ziegfeld Jr., interpretado por William Powell de maneira correta (ele foi indicado no ano anterior por A Ceia dos Acusados e no seguinte por Irene, A Teimosa. Outra indicação viria em 1948 por Nossa Vida com Papai) e dirigido pelo já badalado Robert Z. Leonard (indicado os Oscar sete anos antes por A Divorciada, indicado novamente aqui e lembrando também na edição de 1936 do Festival de Veneza que na época possuía o famigerado nome de troféu Mussolini).

Ziegfled, o Criador de Estrelas venceria os prêmios da Academia de Melhor Filme, Atriz (Luise Rainer) e Direção de Dança, com indicações para Diretor, Roteiro Original (William Anthony McGuire), Edição e Direção de Arte. Os cinco minutos de abertura antes dos créditos entregam que se trata de uma fita longa, porém retratando uma biografia completa. O prólogo menos prestigioso quando, no início de carreira, Ziegfeld deixou para trás a família (o pai era professor de música erudita) e optou pelo mundo do entretenimento diverte fácil. Já em 1893, na cena da Feira de Chicago, fica claro que Ziegfeld, é aventureiro, gosta de apostar, é sonhador (tudo no bom sentido) e possui uma facilidade de comunicação absurda. O primeiro grande sucesso dele, Sandow, “o homem mais forte do mundo” é apontado hoje como o criador do Bodybuilding e é um marcante exemplo.

Observa-se logo no início que estamos diante de um exemplar muito comum no cinema de Hollywood, pois se trata de uma biografia leve, informativa, que mistura bom humor com emoção, bem no estilo Walt Disney de “uma lágrima para cada sorriso”. Já de cara somos apresentados a Jack Billings, amigo e concorrente de Florenz. Frank Morgan, indicado ao Oscar duas vezes por As Aventuras de Cellini (1934) e como coadjuvante por Boêmios Errantes (1942), interpreta o outro produtor muito bem e rouba a cena em alguns momentos com sua marcante presença. Claro que o roteiro é chapa-branca (dizem que fidelidade não era uma característica de Ziegfeld), mas o longa do homem que fica rico em um dia e está falido no outro é nada menos que adorável.

Os direitos da história foram comprados pela Universal frente à viúva de Florenz, Billie Burke (que interpretaria ela mesma). Porém, como o estúdio não conseguia mais pagar a produção e queria filmar aquela que seria a primeira versão de O Barco das Ilusões, houve uma venda de roteiro para a MGM, já na época de pré-produção. Billy Burke, Judy Garland e Eddie Cantor foram afastados do elenco e a MGM sairia ganhando duas vezes, já que quinze anos depois compraria os direitos e produziria uma refilmagem de O Barco das Ilusões, em versão definitiva e ainda seria a responsável pelo grande sucesso de O Criador de Estrelas.

Ziegfeld também dá a oportunidade de apresentar a parte do público grandes estrelas e números da Broadway. O grande destaque é a presença de Fanny Brice interpretando ela mesma. Brice era conhecida por ter uma bela voz, mas ser muito feia. Fanny supria a ausência de beleza sendo incrivelmente engraçada e fez época nos palcos de Nova Iorque sendo objeto de outra biografia, décadas depois, estrelada por Barbra Streissand.

O produtor possuía persona muito interessante. Detentor de uma abordagem típica, ele acabava por ganhar todos os talentos e mulheres de Billings. Tinha a capacidade de se adaptar e movimentar dinheiro para conseguir seus objetivos, sempre em prol da arte. O primeiro grande amor da vida de Ziegfeld, Anna Held (Luise Rainer que nunca havia ouvido falar sobre a figura que interpretaria) entra na vida do protagonista em Londres, quando o biografado, sem dinheiro, pede ajuda ao concorrente em viagem para conhecer a francesa que começava a fazer sucessos nos teatros londrinos. Rainer realmente se destaca e seu prêmio foi merecido. No ano seguinte ela repetiria a façanha pelo longa Terra dos Deuses, sendo a primeira atriz a vencer dois Oscars em sequência (feito igualado apenas por Katherine Hepburn).

Trata-se de um filme musical, mas todas as inserções típicas do gênero ficam por conta da reconstituição de shows da Broadway. É de Rainer o primeiro número, Won’t You Come And Play With Me?, seguido de uma das melhores cenas do longa: quando Ziegfeld faz Anna se convencer a ser contratada (e toda hora ela mandava ele sair do camarim, olhava para as flores que ele enviou com o dinheiro de Billings, e mandava voltar).

A atriz continua brilhando no número de It’s Delightful do Be Married, que mostra os problemas de Held com a dicção e como isso atrapalhou o início de sua carreira junto ao exigente público americano. Nesse momento já fica claro que Ziegfeld, O Criador de Estrelas é uma fita necessária aos fãs e admiradores da Broadway (eu nem posso me considerar um porque infelizmente nunca fui lá).

Com pouco mais de uma hora de filme somos apresentados à idéia que mudaria a história do teatro dos Estados Unidos: as Follies de Ziegfeld. Para quem não conhece, as Follies eram uma espécie de teatro de revista (que foram bem populares aqui no Brasil também). A idéia do produtor de apresentar um show mais dinâmico, com esquetes de humor permeando as músicas, abriu espaço para o surgimento de grandes artistas americanos, como Eddie Cantor (que se apresentava com o rosto pintado, que nem Al Johnson e é homenageado no filme com o ator Buddy Doyle interpretando If You Knew Suzie, um de seus maiores sucessos) e Will Rogers (que fazia o estilo caipira e descobriu com Ziegfeld seu timing de humor).

Porém, o grande número da primeira metade é justamente aquele que marca o Entreato, A Pretty Girl is Like a Melody. A cena começa simples, com apenas um cantor, o palco vai girando, girando, mostrando uma infinidade de dançarinos, cada um com figurino diferente, canções que passam da valsa para a ópera e termina grandioso, quase como uma epopéia musical. Algo que deve ter sido um assombro no teatro no início do século e nos cinemas na década de 1930. Uma cena muito difícil e bem realizada em apenas dois takes após semanas de ensaios contando com 180 atores e a um custo de 220 mil dólares, algo absurdo para a época e muito mais do que o próprio Ziegfeld gastou para produzir aquele show todo. No final, o custo total do longa em 2 milhões de dólares, atualizados pela inflação, chegariam ao valor de 40 milhões.

Todavia, depois da Intermissão Ziegfeld, O Criador de Estrelas pode se tornar cansativo para alguns. Logo de cara temos quatro apresentações musicais em sequência. O objetivo é mostrar a versatilidade do teatro norte-americano, por isso temos um número em que o palco se mexe (alta produção), outra onde Ray Bolger (vivido por ele mesmo e uma pena que tenha sido pouco explorado) dá um show de sapateado, um terceiro com um instrumental clássico e extremamente romântico e o quarto com uma coreografia que é um assombro de tão bem feita. São quinze minutos de arte pura, mas que pode (e deverá) desagradar muita gente.

Ao final do número a estrela do espetáculo, visivelmente embriagada, tenta desmoralizar Ziegfeld que não se faz de rogado e dá um corretivo sutil na moça na frente da platéia. Mais à frente entra em cena Fanny Brice, em cena muito semelhante à do filme que retratou sua própria vida. Aqui ela interpreta três canções e é com ela que o biografado realiza sua última Follies. Com essa fase da carreira, termina também seu casamento com Anna Held. O homem, que tinha uma incrível capacidade de reinventar sua carreira, teria que criar uma nova vida dentro de casa. Está aberto o caminho para a entrada de Myrna Loy na quarta das catorze parcerias que faria na carreira com William Powell e no ano em que seria eleita Rainha do Cinema (e Clark Gable o Rei). A Academia, porém, não se lembraria de Loy até 1991 quando esta receberia um Oscar honorário dois anos antes de sua morte, aos 89 anos.

A estrela só surge com duas horas e quinze minutos de projeção, mas é responsável por retratar Billie Burke, segundo e último grande amor de Ziegfeld. O produtor, já com o coração mais mole por conta da idade, viveria com maior intensidade esse romance. Já o filme traz com o número musical do circo seu canto do cisne, retratando um show bolado por Ziegfeld e sua filha de aproximadamente cinco anos. Mais uma cena bem realizada, porém longa para alguns. É importante que se diga que o canto do cisne é do filme e não da carreira do biografado, que mesmo exagerando na extravagância da produção de suas peças e perdendo muito patrocínio, viveria ainda o auge de sua carreira, com quatro shows de sucesso na Broadway ao mesmo tempo.

Porém, quis o destino que o homem que nunca juntou dinheiro, fizesse isso no outono da vida investindo tudo em ações. Hollywood, como se exorcizasse o demônio da Crise de 1929, nos trouxe mais uma história que não termina tão bem quanto merecia por conta de fatores econômicos. Incrível como os filmes antigos possuíam finais grandiosos (e não essa coisa aberta que a maioria nos traz hoje) e a cena do Ziegfeld moribundo, ainda na tentativa de criar shows novos ao lado de Billings, impressiona. Com a linda cena de um cortejo imaginado pelo produtor, surgem os créditos desse filme que é pouco visto, pouco badalado, mas não muito distante de uma biografia perfeita (a primeira, de muitas, a vencer o Oscar de Melhor Filme). Nota 9




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Um comentário:

vale a pena disse...

Meus parabéns! Que blog bem feito, com conteúdo, explicações bem construidas, mostrando que vc sabe onde pisa. Acho que foi um presente que eu ganhei descobrindo-o. Vou segui-lo sem dúvida.