segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Rebecca, a Mulher Inesquecível




Estreia – 12/04/1940 (nos EUA) – O espanto e indignação com que alguns cinéfilos que valorizam o reconhecimento por prêmios recebem a notícia de que o londrino Alfred Hitchcock nunca venceu um Oscar é comparável apenas ao fato de que seu conterrâneo Charles Chaplin estar na mesma situação. Porém, antes de entrarmos na história de Rebecca em si, cumpre demonstrar não ser a Academia a única a ignorar aquele que hoje é considerado um gênio do cinema.

Ao relacionarmos o reconhecimento em vida de Hitchcock, observamos que apenas ao final da carreira do diretor os “entendidos” se deram conta da importância da obra deste. O Oscar, muito criticado por sobrepor razões comerciais à própria arte, não só foi o primeiro a dar aquele troféu de consolação pela filmografia do britânico em 1968, como indicou o mesmo em cinco oportunidades na categoria melhor diretor (1941 por Rebecca; 1944 por Um Barco e Nove Destinos; 1945 por Quando Fala o Coração; 1954 por Janela Indiscreta; e 1960 por Psicose). Seguiram os prêmios honorários ainda em 1968 pelo Sindicato dos Diretores; 1971 no BAFTA; 1972 no Globo de Ouro; e 1979 pelo American Film Institute. Enquanto que no campo das indicações, para citar as mais importantes, foram três no Festival de Cannes (1946 por Interlúdio; 1953 por A Tortura do Silêncio; e 1956 por O Homem que Sabia Demais), oito pelo Sindicato dos Diretores (sendo dois anos consecutivos por dois filmes); um ao Globo de Ouro (1973 por Frenesi) e uma ao Festival de Veneza em 1955 por Ladrão de Casaca. Venceu, sim, um Globo de Ouro em 1958 pelo seu programa Alfred Hitchcock Presents, pelo qual foi indicado duas vezes ao Emmy.

Dito tudo isso, resta claro que a injustiça com o diretor alcançou todos os festivais e premiações, sendo o reconhecimento do público muito maior do que dos seus iguais. Rebecca, A Mulher Inesquecível é a produção que fez as honras de colocar no currículo de Hitchcock um vencedor do Oscar de Melhor Filme, batendo Correspondente Estrangeiro (do mesmo diretor), Vinhas da Ira (uma das grandes obras de John Ford – que sairia vencedor como diretor), O Grande Ditador e Núpcias de Escândalo (que deu o Oscar de ator a James Stewart). Venceu também na categoria de Fotografia em Preto e Branco, com um estilo belíssimo de câmera acompanhando a ação, mesmo que quase sempre na perspectiva da personagem de Joan Fontaine. Foram outras nove indicações (Diretor, Ator, Atriz, Atriz Coadjuvante, Roteiro, Direção de Arte, Efeitos Especiais, Edição e Música) – interessante perceber que um ano após E O Vento Levou ser o primeiro filme colorido a vencer o prêmio principal, o campeão de lembranças ser um suspense em preto e branco – uma opção do diretor para manter a atmosfera do livro. O sucesso alcançado na Espanha, por exemplo, fez com que o casaco utilizado pela atriz Joan Fontaine no filme fosse apelidado de “rebeccas” expressão usada lá até hoje.

Trata-se do primeiro longa de Hitchcock produzido nos Estados Unidos (as fases da carreira do diretor serão trazidas de novo ao blog quando a retrospectiva da carreira dele ser nossa pauta. Tentamos isso com Woddy Allen ano passado sem sucesso, como pode ser observado. Os filmes foram vistos, mas os comentários não foram feitos). A transição entre os elementos da filmografia européia e o cinema-espetáculo que o consagrou em Hollywood fazem de suas produções da década de 1940 as mais atraentes até hoje. Apesar da indicação pelos Efeitos Especiais, Hitchcock ainda seguia com muito afinco seu mantra “câmera na mão, idéia na cabeça”. Isso pode ser observado desde o primeiro momento, quando há não apenas a introdução de um flashback, mas a conclusão a qual todo espectador chegará ao final – expediente usado no ano seguinte em Cidadão Kane, que em muitos elementos foi pioneiro, mas nesse foi apenas inovador, assim como na utilização de fotografia, chamada de deep focus.

Rebecca conta a história de um viúvo, “Maxim” de Winter (Laurence Olivier), que ao viajar para Monte Carlo se apaixona por uma jovem (Joan Fontaine) e encontra nessa paixão a oportunidade de superar a perda da esposa. Maxim é dono da mansão Manderley (apenas uma maquete nas tomadas externas) e antes de Hitchcock levar o espectador para lá com trinta minutos de filme, o terreno para o suspense é preparado com maestria pelo roteiro. A trama é envolvente de tal maneira que apenas quando assistido mais de uma vez percebe-se que ao longo da passagem por Monte Carlo, Rebecca possui apenas três personagens (o casal e a patroa da futura Sra. De Winter, que a contrata como dama-de-companhia para percorrer o mundo atrás de pessoas como ela, esnobes e mesquinhas da alta sociedade).

As bases do suspense são os diálogos envolventes e humor britânico, perdidos pelas produções de Hitchcock ao longo dos anos. O perfeccionismo de Hitchcock atinge o auge quando nas notas da produção podemos observar que o diretor escolheu o tipo de caligrafia certa para a personalidade de cada personagem. Enquanto a Sra. Van Hopper é autoritária, obsessiva e rude, Maxim é reflexivo e reservado. A atuação de Laurence Olivier é um bom começo para se conhecer a obra do, para muitos, maior ator britânico de todos os tempos – sua carreira será melhor tratada quando o blog falar sobre Hamlet, vencedor do Oscar que fechou a década de 1940 com chave de ouro. Maxim em Monte Carlo é agradável, galante, uma ótima companhia; já em Manderley, perto da sombra da falecida esposa, muda completamente de figura. Quando se observa que é sempre o mesmo homem que toma todas as iniciativas em justaposição ao mistério por trás de Rebecca, fica provado que o roteiro não engana o espectador em nenhum momento. Seus responsáveis foram Robert E. Sherwood, que venceria um Oscar por Os Melhores Anos de Nossas Vidas e Joan Harrison, indicado no mesmo ano também por Correspondente Estrangeiro. Eles perderam o prêmio para a comédia romântica Núpcias de Escândalo, o que hoje jamais seria admitido.

O romance avassalador dos dois se transforma em casamento, ambos ainda tomados por deslumbramentos. Ele pela inocência da amada, que um dia deveria ser perdida. Ela pelo luxo e a riqueza da nova vida. Quando a nova Sra. De Winter acreditava ter se livrado da maior vilã de sua vida, a Sra. Van Hopper (a expressão desta quando a empregada diz que vai se casar com um milionário já vale o filme), entra em cena a verdadeira viúva de Rebecca, a Sra. Danvers, interpretada por Judith Anderson em trabalho magnífico, indicado ao Oscar de atriz coadjuvante (perdeu para Jane Darwell, por Vinhas da Ira) e eleita uma das cinquenta maiores vilãs da história do cinema americano. A título de curiosidade, ela é dona de um passado misterioso revelado apenas no livro. O diretor deu instruções precisas para que a atriz quando estivesse em cena parecesse flutuar, contrapondo o nervosismo da personagem de Joan Fontaine (e jamais piscasse os olhos). Ela faz mais, entregando uma psicótica, sempre com os olhos vidrados ao se lembrar da falecida patroa. De fato, o antagonismo da Sra. Danvers, se comportando como dona da casa enquanto a verdadeira convive com a dura missão de substituir aquela que todos juram ser insubstituível, é o melhor elemento do filme. Tanto é verdade que ao ser chamada de Sra. De Winter, a mesma se confunde e diz não ser ela. A necessidade inicial de se adaptar ao lugar ao invés de deixar do seu jeito é o verdadeiro drama da mulher vivida por Joan Fontaine.

Fontaine, que após ser indicada ao Oscar em 1941 por Rebecca, venceu no ano seguinte por outro filme de Hitchcock (Suspeita), teve ao lado do diretor seus melhores trabalhos. Foi indicada mais uma vez em 1944 por De Amor Também se Morre e hoje está prestes a completar 94 anos. O papel de Sra. De Winter quase foge de suas mãos, pois Olivier pressionava os produtores para aceitar o teste feito por Vivien Leigh, com quem se casaria naquele ano. Por ter seu pedido negado, o ator tratou mal Fontaine ao longo das filmagens. Hitchcock viu ali uma oportunidade de tirar uma interpretação diferenciada da atriz e disse a ela que todas as pessoas no set a odiavam, deixando a mesma bastante constrangida. Já Judith Anderson ficaria conhecida dos fãs de ficção científica por sua participação na série Jornada nas Estrelas e dos fãs de faroeste por integrar o elenco de Um Homem Chamado Cavalo. Porém, nenhum papel de destaque como a Sra. Danvers. Destaca-se ainda no elenco as rápidas passagens de George Sanders como o Sr. Favell – papel que não merece ser descrito para não estragar as surpresas do longa – cujo melhor trabalho se daria dez anos depois por A Malvada, papel que lhe daria um Oscar de Ator Coadjuvante.

Rebecca é uma história digna de ser adaptada para o cinema. Alfred Hitchcock só conseguiu os direito do romance de Daphne du Maurier quando Hollywood o convidou para integrar o time de diretores da indústria. A autora ainda teria mais dois romances adaptados com sucesso para as telonas: Os Pássaros, pelo próprio Hitchcock e Inverno de Sangue em Veneza. Antes de Rebecca, o diretor inglês já havia adaptado Jamaica Inn da mesma escritora. O trunfo de sua narrativa é a que a revelação do suspense não põe termo à história. No longa esse momento acontece com uma hora e meia, quando o “barco” da segunda esposa do Sr. De Winter está quase afundando – momento semelhante aconteceria com o próprio mais para o fim. Rebecca se sustenta numa terceira parte em que o roteiro vira de maneira espetacular, marcada por uma cena de dez minutos que Laurence Olivier conduz com maestria. Não é a toa que o longa é considerado um dos cem mais emocionantes do cinema americano. Esse divisor de águas inesperado é apenas a cereja do bolo de um filme, assim como Rebecca, inesquecível. Nota 9



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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Do Mundo Nada se Leva



Estreia – 23/8/1938 (nos EUA) – A maneira otimista com a qual Frank Capra tratava as vítimas da profunda crise financeira nos Estados Unidos da década de 1930 foi a responsável por dar o diretor um espaço nobre na lista dos grandes da Era de Ouro de Hollywood. Do Mundo Nada se Leva não envelheceu com o mesmo status de grande clássico como outras obras já comentadas no blog (Aconteceu Naquela Noite e A Felicidade Não se Compra), sendo lembrada mais pelo prêmio principal na noite do Oscar de 1939 do que por sua qualidade.

Foram sete as indicações para o longa, que perdeu em Roteiro, Atriz Coadjuvante, Fotografia, Edição e Som; porém, além do melhor Filme, deu a Frank Capra seu terceiro Oscar em quatro indicações como diretor (ele perdeu em 1934 por Dama por um Dia, venceu em 1935 por Aconteceu Naquela Noite e 1937 por O Galante Mr. Deeds. Seria indicado ainda em 1940 por A Mulher Faz o Homem e 1947 por A Felicidade Não se Compra). Porém, não foi tão fácil sair vencedor naquele ano, eis que o Sindicato dos Diretores e o dos Produtores estavam em guerra à época da cerimônia e ameaçavam um grande boicote. Capra era justamente o Presidente da Academia e não só contornou o problema como foi o grande ganhador – cujos prêmios, por sinal, devem ser questionados, já que é de se perguntar se membros da Academia não se sentiriam intimidados a votar no seu Presidente. Do Mundo Nada se Leva bateu Com os Braços Abertos e Jezebel, que deu Oscar de atuação para Spencer Tracy e Bette Davis, respectivamente; além de As Aventuras de Robin Hood, clássico em Tecnicolor que imortalizaria Errol Flynn.

O carinho dado a essa obra pelo diretor merece ser ressaltado. Ao assistir à peça que deu origem a Do Mundo Nada se Leva um ano antes em Nova York – quando lá esteve para o lançamento de O Horizonte Perdido – imediatamente desejou filmá-lo. Azar do chefão da Columbia Harry Cohn, que perdeu a queda-de-braço com Capra por duas vezes: na conturbada edição final de Horizonte Perdido e no pagamento da alta quantia (até para os dias de hoje) de duzentos mil dólares pelos direito de Do Mundo Nada se Leva.

Talvez levado por uma onda de perfeccionismo, Capra utilizou mais de cem mil metros de filme, quando um filme nessa época gastava menos de três mil. Já a quantidade de personagens, que na peça é de 19, no filme é de 153. Numa delas, a dançarina de balé perturbada vivida por uma talentosa Ann Miller de apenas quinze anos, é possível observar o grau de exigência do diretor. A atriz faz passos de balé completos e, dizem, sofreu tanto nas gravações que vivia chorando de dor quando não estava em cena. James Stewart ficou responsável em fazer a vida da menina um pouco melhor e enviava caixas e mais caixas de doces para ela. Quando o longa foi lançado, a peça já havia vencido o prêmio Pulitzer de 1937 e estava sendo encenada na Broadway. Seus autores foram George S. Kaufman, roteirista de alguns dos clássicos dos Irmãos Marx, como Uma Noite na Ópera; e Moss Hart – roteirista de um dos meus filmes preferidos da década de 1940, A Luz é para Todos e da versão de 1936 de Melodia na Broadway, obras que renderam indicações ao Oscar ao segundo.

Talvez a culpa seja do trato dado à trama, hoje um imenso clichê por culpa de uma infinidade de obras posteriores. Trata-se de um o roteiro sobre chefe de família que se nega a vender sua casa para milionário que deseja construir ali uma grande indústria. O milionário Sr. Kirby, vivido por Edward Arnold, precisa conviver não só com a negativa da venda da família Sycamore, mas também com o noivado de seu filho Tony (um jovem James Stewart em vias de ir para a Segunda Guerra Mundial – ele foi o primeiro a se alistar na Força Aérea em1941 – e em sua primeira parceria com Capra) e a filha do homem que não aceita se mudar Alice (Jean Arthur, que voltaria a trabalhar com Capra e Stewart em A Mulher Faz o Homem).

Capra não aprofundou pontos que costumeiramente destrinchava em seus filmes, como os pontos negativos na criação de monopólios, principalmente na indústria bélica. Até mesmo a relação familiar e o choque de comportamentos entre os Kirby, alta sociedade carregada de pré-conceitos e os Sycamore, felizes no meio de suas diferenças e maluquices, poderia ser mais explorada. Uma das cenas mais interessantes, (mostrada no vídeo ao final do texto) a do contador mostrado como homem-máquina, que larga tudo para viver seu sonho de ser inventor na casa da família de Alice, é aquela que mais aproxima a mensagem de Do Mundo Nada se Leva a de A Mulher Faz o Homem e A Felicidade Não se Compra. O roteirista Robert Riskin estava bem melhor em Aconteceu Naquela Noite (que lhe rendeu um Oscar) sendo dele também A Dama por um Dia, O Galante Mr. Deeds e Órfãos da Tempestade – filmes que lhe renderam indicações, todos do mesmo nível de Do Mundo Nada se Leva.

Até mesmo as piadas soam datadas e o humor físico remete a outra obra do diretor, Este Mundo é um Hospício, lançada seis anos depois e hoje também menos citada. Como sempre Capra levava às telas o que o cidadão norte americano desejava ver. Em momentos de crise, a valorização de bens extrapatrimoniais, como a lembrança da esposa que já se foi. Além disso, a diminuição a confiança em governos e nos mais endinheirados (o Sr. Kirby orgulha-se em não pagar impostos nos últimos vinte e dois anos) ao mesmo tempo em que ideais são trocados por uma vida mais estável.

Do Mundo Nada se Leva só é entendido quando se imaginava a frustração de um povo acostumado a viver com qualidade, consumindo sem moderação ao passar por uma grave crise. Infelizmente no atual transtorno econômico que América do Norte e Europa hoje vivem não há pessoas com a qualidade de Frank Capra para produzir conteúdos desta natureza (ou talvez seja muito cedo para afirmar tal coisa).

Protagonistas como o Sr. Kirby, que só venceu na vida para abdicar de coisas simples dela (como tocar gaita) sempre alcançam uma digna redenção em exemplares da Era de Ouro. Mesmo assim, a opção por privilegiar a comédia e aproximar o longa de uma peça de teatro (até porque foi adaptada de uma), com ação quase toda acontecendo em um só lugar, faz de Do Mundo Nada se Leva uma obra menos atraente aos olhos dos cinéfilos atuais, apesar dos nomes de peso citados nesse texto que participaram de alguma forma do filme. Mesmo assim, ainda não o suficiente para ser ignorada. Nota 6




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