sexta-feira, 9 de julho de 2010

Simplesmente Alice




Estreia - 25/12/1990 (nos EUA) Simplesmente Alice não é um dos filmes mais inspirados de Woody Allen. É até uma surpresa que tal longa ganhe destaque em sua filmografia como um daqueles que a Academia indicou ao Oscar de melhor roteiro original. É a prova de que dentre as dezenas de obras do ator, diretor e roteirista, não há que se falar em unanimidade. Talvez a graça de acompanhar a trajetória de Woody Allen é justamente questionar seu longo repertório de personagens, diálogos e cenas. Pois Simplesmente Alice, que acredito que alguns considerem algo brilhante, decepcionou um pouco o humilde blogueiro.

O filme conta a história de uma mulher que descontente com seu casamento, decide contrariar seus princípios e se deixar levar por uma relação extra-conjugal. Ela conta com a ajuda de Dr. Yang, uma espécie de guru oriental, que receita algumas ervas pouco ortodoxas a seus pacientes. O bom argumento, que parece ser um prato cheio nas mãos de uma pessoa como Allen, não se transforma em um longa excepcional. O toque de fantasia provocado pelas ervas se desenvolve de forma bem mais brilhante em A Rosa Púrpura do Cairo, por exemplo. Filmes menores e menos lembrados do diretor como O Escorpião de Jade e até o recente Scoop - O Grande Furo não devem nada a Simplesmente Alice. Podem considerar uma blasfêmia tal comparação, mas não vi no texto de Allen nada tão marcante.

Mia Farrow (Alice) foi indicada ao Globo de Ouro e venceu o National Board of Review. Ela utiliza a experiência de oito filmes com o namorado-diretor para compor com facilidade a personagem central, que passa por uma crise existencial desnecessária. Difícil convencer o espectador comum que pessoas com tanto dinheiro compliquem suas vidas com a premissa de sentirem uma falsa liberdade que nunca tiveram. O público brasileiro vai se lembrar das telenovelas escritas por Manoel Carlos, já que a Nova York de Simplesmente Alice pode ser comparada com o Leblon de qualquer obra do autor global. Até a overdose de infidelidade, sempre tratada de maneira banal pelos mais ricos, se encontra presente.

Grandes oportunidades se perdem e não são exploradas talvez por preguiça ou falta de capricho do roteiro. Para citar algumas temos o sentimento de culpa de Alice que, no "País das Maravilhas" provocado pelas ervas do Dr. Yang, se transforma numa clássica Madame Bovary, ou Bela da Tarde, ao mesmo tempo em que vive experiências sobrenaturais, como ficar invisível ou reencontrar seu primeiro (e talvez único) grande amor, morto precocemente em um acidente. Aliás, esse personagem, vivido por um Alec Baldwin que começava a se destacar no cinema (pós-Os Fantasmas se Divertem, Uma Secretária de Futuro e A Rosa Púrpura do Cairo), se perde na trama apesar de Allen o colocar em alguns momentos como a origem dos problemas vividos por Alice.

A busca no passado por supostos traumas enfrentados é um tema corrente no cinema, não podendo um longa como esse receber a qualidade de "mais um" ou de "comum". Porém, é isso que acontece. Destaca-se também o desleixo com que é tratada a carreira mal sucedida de escritora da protagonista, que tenta (em vão) descontar nos seus escritos todas as suas frustrações. Allen deixa questionamentos e oportunidades em aberto, tratando de maneira tão rasa temas que ele costuma aprofundar tão bem.

Todavia, não se pode negar que a história possui toques de bom humor e elenco que, se não tem grandes destaques, é a cara do texto ligeiro de Woody Allen (ao contrário de Neblinas e Sombras, filme realizado no ano seguinte). As presenças agradáveis de Judy Davis (indicada ao Oscar como atriz pelo inesquecível Passagem para a Índia do inesquecível David Lean e indicada como coadjuvante dois anos depois pelas mãos do próprio Woody Allen em Maridos e Esposas), a já veterana Blythne Danner e Cybill Shepherd (recém saída de A Gata e o Rato, que voltaria a se destacar no mundo das séries em 1995 com a estreia de Cybill).

Como dito antes, Alec Baldwin deixa a desejar. Pelo lado masculino o destaque é William Hurt, que viveu uma década de 1980 irretocável, com no mínimo cinco grandes atuações, incluindo três indicadas ao Oscar (vencendo por O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco). Joe Mantegna não convencerá os mais jovens como galã sedutor, dado ao número de comédias que ele tentou estrelar na sequência de sua carreira. Porém, nessa época estávamos diante de um ator que tinha acabado de sair de O Poderoso Chefão III e passaria ainda por Corpo em Evidência. Um exemplo de artista que viveu fase quase brilhante, mas terminou estereotipado da pior maneira possível por Hollywood.

Simplesmente Alice ainda foi indicado pelo Sindicato dos Roteiristas e ao César de filme estrangeiro. É fundamental para o amante do cinema tomar conhecimento das mais diversas opiniões. Gosto de saber que muita gente discorda totalmente da minha decepção com essa obra de Allen. Como dito no início do texto, não é todo filme desse diretor (que não atua neste longa) que agradará o espectador comum. Cada um terá apreço por longas diferentes. e a culpa é de quem assiste. Gostar de ou se identificar com uma obra de Woody Allen depende dos mais variados fatores. Da hora, do dia, do momento da vida e até da idade em que você toma conhecimento dos devaneios do gênio. Dessa maneira, permito me considerar, desde já, equivocado com meu sentimento de decepção (pouca, mas decepção) ao me lembrar de Simplesmente Alice. Nota 5



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