Estreia - 05/12/1991 - Neblina e Sombras traz um Woody Allen com uma pretensão de tamanho incompatível com o restante de sua filmografia. Não seria exagero afirmar que o diretor, roteirista e ator caiu do cavalo, mas a tentativa de homenagear o movimento expressionista alemão e o escritor Franz Kafka não chega a ser um desastre completo. Seu último filme com a clássica produtora Orion conta a história de um contador atrapalhado (típico personagem que Allen gostava de interpretar no início de sua carreira) que é convocado por um comitê de vigilância formado pelos moradores de uma cidade para ser isca de um assassino em série que estrangula suas vítimas na calada da noite. A história muda de foco quando um circo chega a cidade e permite que o roteiro se divida em uma trama paralela muito mais interessante que a história do assassino.
Dada a complexidade de uma produção que tencionava transpor elementos expressionistas, não pode Woody Allen manter sua tradição de utilizar as ruas de Nova York como cenário de Neblina e Sombras. Todavia, o longa foi filmado lá, em um estúdio de 26 mil m², o maior da cidade. É justamente o carro-chefe da produção, ou seja, a homenagem do diretor ao movimento alemão surgido nos primórdios do cinema (e fundamental para entendê-lo), que torna o filme uma experiência ainda agradável. Allen gasta toda a sua técnica de uma maneira única e entrega um longa com uma fotografia magnífica, usando na maioria das vezes a luz como parte integrante da cena.
A história de suspense como toque de humor negro remete a alguns dos melhores filmes do roteirista que vê nesse gênero um dos seus preferidos. Apesar de bem desenvolvida e com uma trama paralela sobre infidelidade que prende a atenção (mais Woody Allen impossível) a escolha de elenco, sempre tão elogiada pela homogeneidade, deixa um pouco a desejar.
Tendo o próprio Allen numa ponta, coube a John Cusack a responsabilidade de liderar a história do jovem que realiza a fantasia de uma engolidora de espadas que, após uma briga com seu marido palhaço, pede abrigo em um bordel da cidade e cede à tentação de vender seu corpo por setecentos dólares. Cusack não se mostra tão à vontade em seu primeiro filme do diretor quanto em Tiros na Broadway (lançado três anos depois). Ao seu lado a queridinha de Allen na época, Mia Farrow (mais de vinte anos depois de aparecer para o mundo com O Bebê de Rosemary, de 1968), já em seu décimo segundo filme sendo dirigida por Woody Allen, parece muito mais confortável.
A terceira ponta do triângulo, como sempre acontece, acaba se destacando com folga. John Malkovich fazendo as vezes de marido traído é a melhor coisa de Neblina e Sombras. Quem assiste não esquece o embate entre seu personagem e o de Cusack, em que o palhaço vai descobrindo que a “prostituta por um dia” da história de um estranho no bar é na verdade sua esposa.
Aliás, os diálogos mais existencialistas, que não podem faltar em um exemplar do “gênero” Woody Allen, se passam todos dentro do bordel e são regados a muita bebida. Lá estão presentes algumas das melhores cenas e é lá que reencontramos uma Jodie Foster recém-saída de O Silêncio dos Inocentes, muito mais seletiva em sua carreira. Foster, que se destacou aos catorze anos interpretando uma prostituta em Taxi Driver de 1976, estrelaria apenas doze filmes nos vinte anos seguintes. Outras participações a se destacar é a de Madonna, em apenas uma cena (ela é a trapezista amante do palhaço). À época ainda tinham esperança em sua carreira como atriz, já que seis anos antes ela obteve relativo sucesso com Procura-se Susan Desesperadamente e no ano anterior teve papel importante em Dick Tracy, filme que insisto em gostar. O encontro dela com Woody Allen não deixa de ser inusitado.
Continuando a lista de ilustres pontas, achará o espectador figuras como Donald Pleseance em um de seus últimos filmes (ele faleceria quatro anos depois) tendo estrelado mais de duzentos produções antes; Lily Tomlin, que em sua primeira cena é responsável por um dos takes mais bonitos de Neblina e Sombras e é uma presença marcante (quem havia assistido Nashville em 1975 não ignorava as comédias por vezes bobas demais que ela estrelou na década seguinte, mas sabia do potencial da mesma como atriz); e Kathy Bates, sempre brindando o espectador com uma interpretação fora do comum, um ano depois de vencer seu Oscar de melhor atriz por Louca Obsessão (ela seria indicada mais duas vezes). Porém, alguns atores não combinam com o jeito de Woody Allen fazer cinema.
De fato, a trama paralela, no melhor estilo A Bela da Tarde, acaba por roubar as atenções, tornando Neblina e Sombras mais um filme noir do que uma homenagem ao expressionismo. A virada que Allen dá no roteiro na já citada cena do encontro entre Cusack e Malkovich é o melhor exemplo de como um filme focado mais nesse argumento renderia um filme bem melhor. No que diz respeito ao suspense, a conclusão fraca, besta, até infantil, contribui para que Neblina e Sombras não consiga ficar marcado na memória de quem assiste.
Os dezenove milhões de dólares gastos por Allen (seu filme mais caro até hoje) na tentativa de registrar o espírito de um cinema ainda embrionário, é a desculpa para o fã de cinema reservar uma hora e meia de sua atenção para esse longa do diretor, roteirista e ator. Não espere a obra-prima que Allen parece ter almejado, pois ele foi com muita sede ao pote nessa sua empreitada, apesar de muito bem realizado e tecnicamente irretocável. Nota 7
Dada a complexidade de uma produção que tencionava transpor elementos expressionistas, não pode Woody Allen manter sua tradição de utilizar as ruas de Nova York como cenário de Neblina e Sombras. Todavia, o longa foi filmado lá, em um estúdio de 26 mil m², o maior da cidade. É justamente o carro-chefe da produção, ou seja, a homenagem do diretor ao movimento alemão surgido nos primórdios do cinema (e fundamental para entendê-lo), que torna o filme uma experiência ainda agradável. Allen gasta toda a sua técnica de uma maneira única e entrega um longa com uma fotografia magnífica, usando na maioria das vezes a luz como parte integrante da cena.
A história de suspense como toque de humor negro remete a alguns dos melhores filmes do roteirista que vê nesse gênero um dos seus preferidos. Apesar de bem desenvolvida e com uma trama paralela sobre infidelidade que prende a atenção (mais Woody Allen impossível) a escolha de elenco, sempre tão elogiada pela homogeneidade, deixa um pouco a desejar.
Tendo o próprio Allen numa ponta, coube a John Cusack a responsabilidade de liderar a história do jovem que realiza a fantasia de uma engolidora de espadas que, após uma briga com seu marido palhaço, pede abrigo em um bordel da cidade e cede à tentação de vender seu corpo por setecentos dólares. Cusack não se mostra tão à vontade em seu primeiro filme do diretor quanto em Tiros na Broadway (lançado três anos depois). Ao seu lado a queridinha de Allen na época, Mia Farrow (mais de vinte anos depois de aparecer para o mundo com O Bebê de Rosemary, de 1968), já em seu décimo segundo filme sendo dirigida por Woody Allen, parece muito mais confortável.
A terceira ponta do triângulo, como sempre acontece, acaba se destacando com folga. John Malkovich fazendo as vezes de marido traído é a melhor coisa de Neblina e Sombras. Quem assiste não esquece o embate entre seu personagem e o de Cusack, em que o palhaço vai descobrindo que a “prostituta por um dia” da história de um estranho no bar é na verdade sua esposa.
Aliás, os diálogos mais existencialistas, que não podem faltar em um exemplar do “gênero” Woody Allen, se passam todos dentro do bordel e são regados a muita bebida. Lá estão presentes algumas das melhores cenas e é lá que reencontramos uma Jodie Foster recém-saída de O Silêncio dos Inocentes, muito mais seletiva em sua carreira. Foster, que se destacou aos catorze anos interpretando uma prostituta em Taxi Driver de 1976, estrelaria apenas doze filmes nos vinte anos seguintes. Outras participações a se destacar é a de Madonna, em apenas uma cena (ela é a trapezista amante do palhaço). À época ainda tinham esperança em sua carreira como atriz, já que seis anos antes ela obteve relativo sucesso com Procura-se Susan Desesperadamente e no ano anterior teve papel importante em Dick Tracy, filme que insisto em gostar. O encontro dela com Woody Allen não deixa de ser inusitado.
Continuando a lista de ilustres pontas, achará o espectador figuras como Donald Pleseance em um de seus últimos filmes (ele faleceria quatro anos depois) tendo estrelado mais de duzentos produções antes; Lily Tomlin, que em sua primeira cena é responsável por um dos takes mais bonitos de Neblina e Sombras e é uma presença marcante (quem havia assistido Nashville em 1975 não ignorava as comédias por vezes bobas demais que ela estrelou na década seguinte, mas sabia do potencial da mesma como atriz); e Kathy Bates, sempre brindando o espectador com uma interpretação fora do comum, um ano depois de vencer seu Oscar de melhor atriz por Louca Obsessão (ela seria indicada mais duas vezes). Porém, alguns atores não combinam com o jeito de Woody Allen fazer cinema.
De fato, a trama paralela, no melhor estilo A Bela da Tarde, acaba por roubar as atenções, tornando Neblina e Sombras mais um filme noir do que uma homenagem ao expressionismo. A virada que Allen dá no roteiro na já citada cena do encontro entre Cusack e Malkovich é o melhor exemplo de como um filme focado mais nesse argumento renderia um filme bem melhor. No que diz respeito ao suspense, a conclusão fraca, besta, até infantil, contribui para que Neblina e Sombras não consiga ficar marcado na memória de quem assiste.
Os dezenove milhões de dólares gastos por Allen (seu filme mais caro até hoje) na tentativa de registrar o espírito de um cinema ainda embrionário, é a desculpa para o fã de cinema reservar uma hora e meia de sua atenção para esse longa do diretor, roteirista e ator. Não espere a obra-prima que Allen parece ter almejado, pois ele foi com muita sede ao pote nessa sua empreitada, apesar de muito bem realizado e tecnicamente irretocável. Nota 7
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