segunda-feira, 12 de julho de 2010

Neblina e Sombras



Estreia - 05/12/1991 - Neblina e Sombras traz um Woody Allen com uma pretensão de tamanho incompatível com o restante de sua filmografia. Não seria exagero afirmar que o diretor, roteirista e ator caiu do cavalo, mas a tentativa de homenagear o movimento expressionista alemão e o escritor Franz Kafka não chega a ser um desastre completo. Seu último filme com a clássica produtora Orion conta a história de um contador atrapalhado (típico personagem que Allen gostava de interpretar no início de sua carreira) que é convocado por um comitê de vigilância formado pelos moradores de uma cidade para ser isca de um assassino em série que estrangula suas vítimas na calada da noite. A história muda de foco quando um circo chega a cidade e permite que o roteiro se divida em uma trama paralela muito mais interessante que a história do assassino.

Dada a complexidade de uma produção que tencionava transpor elementos expressionistas, não pode Woody Allen manter sua tradição de utilizar as ruas de Nova York como cenário de Neblina e Sombras. Todavia, o longa foi filmado lá, em um estúdio de 26 mil m², o maior da cidade. É justamente o carro-chefe da produção, ou seja, a homenagem do diretor ao movimento alemão surgido nos primórdios do cinema (e fundamental para entendê-lo), que torna o filme uma experiência ainda agradável. Allen gasta toda a sua técnica de uma maneira única e entrega um longa com uma fotografia magnífica, usando na maioria das vezes a luz como parte integrante da cena.

A história de suspense como toque de humor negro remete a alguns dos melhores filmes do roteirista que vê nesse gênero um dos seus preferidos. Apesar de bem desenvolvida e com uma trama paralela sobre infidelidade que prende a atenção (mais Woody Allen impossível) a escolha de elenco, sempre tão elogiada pela homogeneidade, deixa um pouco a desejar.

Tendo o próprio Allen numa ponta, coube a John Cusack a responsabilidade de liderar a história do jovem que realiza a fantasia de uma engolidora de espadas que, após uma briga com seu marido palhaço, pede abrigo em um bordel da cidade e cede à tentação de vender seu corpo por setecentos dólares. Cusack não se mostra tão à vontade em seu primeiro filme do diretor quanto em Tiros na Broadway (lançado três anos depois). Ao seu lado a queridinha de Allen na época, Mia Farrow (mais de vinte anos depois de aparecer para o mundo com O Bebê de Rosemary, de 1968), já em seu décimo segundo filme sendo dirigida por Woody Allen, parece muito mais confortável.

A terceira ponta do triângulo, como sempre acontece, acaba se destacando com folga. John Malkovich fazendo as vezes de marido traído é a melhor coisa de Neblina e Sombras. Quem assiste não esquece o embate entre seu personagem e o de Cusack, em que o palhaço vai descobrindo que a “prostituta por um dia” da história de um estranho no bar é na verdade sua esposa.

Aliás, os diálogos mais existencialistas, que não podem faltar em um exemplar do “gênero” Woody Allen, se passam todos dentro do bordel e são regados a muita bebida. Lá estão presentes algumas das melhores cenas e é lá que reencontramos uma Jodie Foster recém-saída de O Silêncio dos Inocentes, muito mais seletiva em sua carreira. Foster, que se destacou aos catorze anos interpretando uma prostituta em Taxi Driver de 1976, estrelaria apenas doze filmes nos vinte anos seguintes. Outras participações a se destacar é a de Madonna, em apenas uma cena (ela é a trapezista amante do palhaço). À época ainda tinham esperança em sua carreira como atriz, já que seis anos antes ela obteve relativo sucesso com Procura-se Susan Desesperadamente e no ano anterior teve papel importante em Dick Tracy, filme que insisto em gostar. O encontro dela com Woody Allen não deixa de ser inusitado.

Continuando a lista de ilustres pontas, achará o espectador figuras como Donald Pleseance em um de seus últimos filmes (ele faleceria quatro anos depois) tendo estrelado mais de duzentos produções antes; Lily Tomlin, que em sua primeira cena é responsável por um dos takes mais bonitos de Neblina e Sombras e é uma presença marcante (quem havia assistido Nashville em 1975 não ignorava as comédias por vezes bobas demais que ela estrelou na década seguinte, mas sabia do potencial da mesma como atriz); e Kathy Bates, sempre brindando o espectador com uma interpretação fora do comum, um ano depois de vencer seu Oscar de melhor atriz por Louca Obsessão (ela seria indicada mais duas vezes). Porém, alguns atores não combinam com o jeito de Woody Allen fazer cinema.

De fato, a trama paralela, no melhor estilo A Bela da Tarde, acaba por roubar as atenções, tornando Neblina e Sombras mais um filme noir do que uma homenagem ao expressionismo. A virada que Allen dá no roteiro na já citada cena do encontro entre Cusack e Malkovich é o melhor exemplo de como um filme focado mais nesse argumento renderia um filme bem melhor. No que diz respeito ao suspense, a conclusão fraca, besta, até infantil, contribui para que Neblina e Sombras não consiga ficar marcado na memória de quem assiste.

Os dezenove milhões de dólares gastos por Allen (seu filme mais caro até hoje) na tentativa de registrar o espírito de um cinema ainda embrionário, é a desculpa para o fã de cinema reservar uma hora e meia de sua atenção para esse longa do diretor, roteirista e ator. Não espere a obra-prima que Allen parece ter almejado, pois ele foi com muita sede ao pote nessa sua empreitada, apesar de muito bem realizado e tecnicamente irretocável. Nota 7




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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Simplesmente Alice




Estreia - 25/12/1990 (nos EUA) Simplesmente Alice não é um dos filmes mais inspirados de Woody Allen. É até uma surpresa que tal longa ganhe destaque em sua filmografia como um daqueles que a Academia indicou ao Oscar de melhor roteiro original. É a prova de que dentre as dezenas de obras do ator, diretor e roteirista, não há que se falar em unanimidade. Talvez a graça de acompanhar a trajetória de Woody Allen é justamente questionar seu longo repertório de personagens, diálogos e cenas. Pois Simplesmente Alice, que acredito que alguns considerem algo brilhante, decepcionou um pouco o humilde blogueiro.

O filme conta a história de uma mulher que descontente com seu casamento, decide contrariar seus princípios e se deixar levar por uma relação extra-conjugal. Ela conta com a ajuda de Dr. Yang, uma espécie de guru oriental, que receita algumas ervas pouco ortodoxas a seus pacientes. O bom argumento, que parece ser um prato cheio nas mãos de uma pessoa como Allen, não se transforma em um longa excepcional. O toque de fantasia provocado pelas ervas se desenvolve de forma bem mais brilhante em A Rosa Púrpura do Cairo, por exemplo. Filmes menores e menos lembrados do diretor como O Escorpião de Jade e até o recente Scoop - O Grande Furo não devem nada a Simplesmente Alice. Podem considerar uma blasfêmia tal comparação, mas não vi no texto de Allen nada tão marcante.

Mia Farrow (Alice) foi indicada ao Globo de Ouro e venceu o National Board of Review. Ela utiliza a experiência de oito filmes com o namorado-diretor para compor com facilidade a personagem central, que passa por uma crise existencial desnecessária. Difícil convencer o espectador comum que pessoas com tanto dinheiro compliquem suas vidas com a premissa de sentirem uma falsa liberdade que nunca tiveram. O público brasileiro vai se lembrar das telenovelas escritas por Manoel Carlos, já que a Nova York de Simplesmente Alice pode ser comparada com o Leblon de qualquer obra do autor global. Até a overdose de infidelidade, sempre tratada de maneira banal pelos mais ricos, se encontra presente.

Grandes oportunidades se perdem e não são exploradas talvez por preguiça ou falta de capricho do roteiro. Para citar algumas temos o sentimento de culpa de Alice que, no "País das Maravilhas" provocado pelas ervas do Dr. Yang, se transforma numa clássica Madame Bovary, ou Bela da Tarde, ao mesmo tempo em que vive experiências sobrenaturais, como ficar invisível ou reencontrar seu primeiro (e talvez único) grande amor, morto precocemente em um acidente. Aliás, esse personagem, vivido por um Alec Baldwin que começava a se destacar no cinema (pós-Os Fantasmas se Divertem, Uma Secretária de Futuro e A Rosa Púrpura do Cairo), se perde na trama apesar de Allen o colocar em alguns momentos como a origem dos problemas vividos por Alice.

A busca no passado por supostos traumas enfrentados é um tema corrente no cinema, não podendo um longa como esse receber a qualidade de "mais um" ou de "comum". Porém, é isso que acontece. Destaca-se também o desleixo com que é tratada a carreira mal sucedida de escritora da protagonista, que tenta (em vão) descontar nos seus escritos todas as suas frustrações. Allen deixa questionamentos e oportunidades em aberto, tratando de maneira tão rasa temas que ele costuma aprofundar tão bem.

Todavia, não se pode negar que a história possui toques de bom humor e elenco que, se não tem grandes destaques, é a cara do texto ligeiro de Woody Allen (ao contrário de Neblinas e Sombras, filme realizado no ano seguinte). As presenças agradáveis de Judy Davis (indicada ao Oscar como atriz pelo inesquecível Passagem para a Índia do inesquecível David Lean e indicada como coadjuvante dois anos depois pelas mãos do próprio Woody Allen em Maridos e Esposas), a já veterana Blythne Danner e Cybill Shepherd (recém saída de A Gata e o Rato, que voltaria a se destacar no mundo das séries em 1995 com a estreia de Cybill).

Como dito antes, Alec Baldwin deixa a desejar. Pelo lado masculino o destaque é William Hurt, que viveu uma década de 1980 irretocável, com no mínimo cinco grandes atuações, incluindo três indicadas ao Oscar (vencendo por O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco). Joe Mantegna não convencerá os mais jovens como galã sedutor, dado ao número de comédias que ele tentou estrelar na sequência de sua carreira. Porém, nessa época estávamos diante de um ator que tinha acabado de sair de O Poderoso Chefão III e passaria ainda por Corpo em Evidência. Um exemplo de artista que viveu fase quase brilhante, mas terminou estereotipado da pior maneira possível por Hollywood.

Simplesmente Alice ainda foi indicado pelo Sindicato dos Roteiristas e ao César de filme estrangeiro. É fundamental para o amante do cinema tomar conhecimento das mais diversas opiniões. Gosto de saber que muita gente discorda totalmente da minha decepção com essa obra de Allen. Como dito no início do texto, não é todo filme desse diretor (que não atua neste longa) que agradará o espectador comum. Cada um terá apreço por longas diferentes. e a culpa é de quem assiste. Gostar de ou se identificar com uma obra de Woody Allen depende dos mais variados fatores. Da hora, do dia, do momento da vida e até da idade em que você toma conhecimento dos devaneios do gênio. Dessa maneira, permito me considerar, desde já, equivocado com meu sentimento de decepção (pouca, mas decepção) ao me lembrar de Simplesmente Alice. Nota 5



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